Aquela era minha regênese.
Era ser criado.
A sensação de conforto inefável e de segurança, fez
com que me acomodasse ainda mais naquele espaço ínfimo e absoluto de amor, que
rodeava minhas células e preenchia meus espaços vazios. Estava encapsulada e
contida por sensações de uma beleza inexplicável. Jamais conheci momentos de
tanta plenitude, pois não havia um antes. Havia, apenas, aquele instante
único e sublime. A invocação de luz sobre as minhas trevas. Meu Princípio.
Eu pairava sobre um tempo infinito. Uma pausa. Estava
num longo silêncio de stasis. Sem memória, sem palavras. Apenas o
ressoar do Verbo em minha alma. O suficiente para mim. Meu ser envolto pelo
mistério etéreo que presenteia leveza, completude e glória. Pelo sagrado.
Uma rede de fios harmoniosos e bem intrincados
arquitetava a trama do abrigo prateado que me rodeava. Então, uma urgência
inexplicável me envolveu. Um aperto em meu âmago deu-me a certeza de que era o
momento. Senti-me impelida a avançar pela metamorfose que se operava em mim
e me dava novos contornos. Meus olhos se abriram e contemplaram a luz
irresistível que se formava e expandia diante do portão. Era persuasiva e me
convidava a mergulhar. Recomeçar.
Não hesitei.
Então os fios, um a um, foram se afrouxando e
rompendo, até restar somente um, — tão fino e translúcido —, que tornou-se,
apenas em uma constrição, invisível aos meus olhos, mas forte o bastante para
sustentar-me através de minha transição, e ir além, até onde estavam meus
marcos. Envolvia meu corpo em seu centro, e estava enraizado à minha segunda
pele. Tão intenso foi seu aperto, que me fez gritar e ansiar por algo, que, até
então, era-me totalmente dispensável: ar.
Deixei-me conduzir através daquele nascimento
sobrenatural. Sem choro e sem dor. Havia apenas uma certeza em mim: o tempo
havia chegado.
Estiquei todo o meu corpo no novo espaço que havia
surgido ao meu redor, desvendando sua novidade em meus movimentos e respirando
o ar que expandia meus pulmões, forçando nova vida dentro de mim. Em minha
exploração, meu pé direito roçou outra pele. Fria. Senti o contorno do
tornozelo. O osso lateral, o calcanhar. Rolei para o lado e estendi minha mão
alcançando o dorso sólido. Um novo limite.
Não estava mais só. Minha eternidade havia alcançado
fronteiras.
Um longo suspiro saiu de meus lábios, estava desperta
de meu profundo sono. Abri meus olhos, piscando-os algumas vezes, tentando
acostumar-me àquela nova luz. Ergui-me lentamente, pois meu corpo reaprendia
seu curso, como um rio que volta a correr em seu leito depois de uma longa
estiagem, e enquanto atravessa seu percurso sabe-se rio.
Virei meu rosto, e o vi deitado. De costas para mim.
Usava um jeans e camisa azul. Tinha apenas os pés nus, aqueles que eu acabara
de tocar. Os cabelos eram castanhos e estavam desalinhados.
A pergunta inevitável surgiu: quem era aquele que
havia invadido meu casulo, e me atraído para o portal da existência? Que havia
forçado o meu retorno aquele espaço estarrecedor e material?
Tateei as paredes de minha memória e uma questão ainda
mais intimidadora surgiu: Quem sou eu?
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