Ela sentiu a urgência de voltar.
Precisava dar mais uma olhada naquele lugar, com fama da
amaldiçoado. A casa parecia atrai-la. Chamá-la. E depois, era o único vínculo
com suas origens.
João desejava levá-la ao cinema no sábado, mas ela deu uma
desculpa: precisava estudar para uma prova, e dificilmente poderia fazê-lo
durante a semana, devido ao trabalho.
─ Então, vou buscá-la amanhã e te levo para casa.
Fez isso até a sexta-feira, e disse, que passaria para vê-la no domingo à tarde.
No sábado, ela realizou o mesmo trajeto que havia realizado
na primeira vez. Só que desta vez foi ousada. Diante do portão, desfez o nó branco que
juntava suas duas bandas e entrou. Como que pressentindo sua presença,
o gato que ela havia visto da primeira vez apareceu na lateral da casa. Olhou-a
e miou, uma ou duas vezes e depois veio em sua direção. Ela abaixou e fez uma
carícia entre suas orelhas, deixando-o manhoso.
Então, atravessou a aleia cujo mato alto e arbustos
denotavam que há muito tempo, ninguém entrava ali. Parou em frente a porta da
casa, e estudou seu entalhe. Ali, seus pais haviam passado, entrado e saído.
Felizes ou tristes. Será que ela, havia atravessado alguma vez aquele umbral em
seus braços? Ou sua decisão de abandoná-la foi tão prematura, que ela nem mesmo
conheceu o seio de sua mãe?
Foi até a janela e estudou o vitral que estava sobre ela.
Era delicado. E haviam dois lírios brancos de cada lado. Algo a sensibilizou
naquele desenho. Já o havia visto antes! Era como um raio que cai duas vezes em
um lugar. Tremenda coincidência e em apenas uma semana. Sem sombra de dúvidas, ele pertencia ao artista
cujo vitral havia sido exposto na galeria. Se o pessoal que havia
organizado a exposição soubesse, ficariam maravilhados, já que tão pouco de sua arte havia permanecido no Brasil.
Por um momento, ficou tão surpresa que esqueceu de seu
objetivo ao vir ali. Então, o gato miou e colou a face em seu pé buscando afago.
Ela tomou-o em seu colo e continuou em seu reconhecimento do local.
Atravessou o mato e foi até os fundos da casa, e
surpreendeu-se com o que viu. Havia uma estufa de proporções mínimas. Rosas cresciam
em seu interior e exterior. E fora dela estavam espalhadas dianthus, margaridas
e dálias. Porém o mais impressionante, foi verificar que cada um dos vidros da
estufa eram vitrais. Era como uma caixa de joias, onde caberiam três ou quatro
pessoas dentro. Para completar aquele pequeno refúgio de sonhos, uma pequena
fonte azulada, onde uma casal de pombinhos enamorados, estavam imobilizados,
para suplantarem o tempo.
Seu encantamento a deixou sem ar.Aquele não era parecia ser um pedaço de maldição, e sim um
lugar que celebrava o amor.
Andou até a estufa e percebeu que em cada um dos
vitrais havia um desenho. Começou a caminhar ao seu redor em sentido horário. Contemplou
o primeiro, e assim prosseguiu até chegar ao último e seu coração pareceu que ia deixar de bater, de tão grande que foi o tumulto provocado pelo que viu. Era quase uma epifania. E com ela veio a certeza de que sua
história estava ali.
Deixou-se ficar ali. Contemplando e sonhando com o que
poderia ter sido e não foi. Tocou o último vitral. Aquela peça de um quebra
cabeças que contava sua história. E colocou o seu dedo sobre a perfuração
arredondada, que atravessava o coração que a mulher impregnada em cores, sobre o
vidro, segurava. Era um a perfuração pequena, onde cabia o seu dedo. Mas que havia
sido fatal. Ajoelhou-se diante dele, ainda com o gato no colo, e lá estava. A prova. A assinatura: B. Bachman.