quinta-feira, 2 de julho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 9

Naquele momento, para qualquer pessoa era apenas a suposição de uma jovem que em busca de suas origens e levada por suas emoções, caminhava em uma direção equivocada. Mas, algo em seu íntimo dizia que Benjamin era seu pai.

Perguntou-se, se aquele ‘assassinato misterioso’ havia sido solucionado. Quem havia destruído uma vida tão promissora e iluminada como a de Benjamin? Haviam preso o assassino? Pelo que ela pode perceber aquele crime havia abalado a cidade, e não havia se diluído por completo no tempo, pois a funcionária ainda lembrava-se do nome e das circunstâncias. Talvez, ela tivesse conhecido Benjamin. Procurou nos jornais dos dias seguintes ao crime, para verificar se havia mais alguma referência ao caso. Uma solução, ou ao menos, pistas que levassem ao assassino. Mas parecia que não. A voz de Benjamin foi calada sem que ninguém mencionasse mais nada a seu respeito.

Levantou-se da escrivaninha e caminhou devagar até a funcionária. Pediu a Deus que sensibilizasse aquele coração para que pudesse ter mais informações que a guiassem pelo caminho. Ana parou diante do balcão. A funcionária estava sentada em uma cadeira por trás de uma mesa.

—Obrigada por sua ajuda, senhora.

A mulher apenas levantou os olhos para ela, mas depois os baixou para o livro que lia, sem se dar o trabalho de responder. Ana não desistiu. Sabia que ela não lhe era completamente indiferente.

—Não quero incomodar, mas existe alguma informação sobre o motivo do crime?

A mulher novamente levantou seus olhos, e para alívio de Ana não havia neles hostilidade. Ela caminhou até o balcão e parou diante de Ana.

—Por que a curiosidade sobre algo que aconteceu a tantos anos atrás? Provavelmente, você nem era nascida.

—Arte — a palavra saiu fácil de seus lábios — Amo sua arte. Conheci um pouco dela, e estou trabalhando na Galeria do centro da cidade agora. Então... comecei a tentar elucidar um pouco este ‘enigma’ chamado Benjamin.

A mulher olhou-a de forma aguda, como se quisesse averiguar a veracidade de suas palavras e sentimentos, então respondeu.

—A arte dele tinha este efeito sobre as pessoas — ela suspirou. — Pelo jeito ainda as afeta. Fico um pouco surpresa que alguém de sua idade e que não teve contato com ele, tenha buscado conhecê-lo. Sempre acreditei que ele era uma ‘artista injustiçado’ por ter desaparecido tão jovem. Sua morte, foi um choque para todos nós, que o conhecemos. Ele era cheio de vida.

—A senhora o conheceu?

Pela primeira vez uma sorriso se formou nos lábios daquela mulher. Incrível, Ana pensou. Ele deveria ter sido um homem e tanto para ter o poder de transformar um rosto sério e hostil em iluminado, mesmo anos após sua morte.

—Quem não conhecia Benjamin Bachman? Ele era um ser humano amável e criativo. Dessas pessoas que transformam um ambiente. Sua arte vinha da alma. 

Os olhos de Ana brilharam.

—Mas, não. Nunca encontraram seu assassino, ainda que tivéssemos suspeitas de quem  cometeu o crime. O caso foi encerrado, e virou o ‘assassinato misterioso’ desta cidade.

—Quem? Quero dizer, de quem vocês suspeitavam?

—De um ‘todo-poderoso’ desta cidade, que odiava Benjamin. Mas... isso foi a muito tempo atrás. Não vale mais à pena tocar nesse assunto.

—Mas... a senhora não acha que deve-se buscar justiça? Mesmo anos depois...as coisas não podem ser deixadas assim. Não é bom para ninguém.

—Sim...acho sim. Mas, isso é algo que você deve dizer para a polícia.

Ela voltou a sua mesa e Ana decidiu não fazer mais perguntas por hora.

—Obrigada. Muito obrigada por sua ajuda.

Ao sair da Biblioteca ficou imaginando como continuar por sua procura. Já havia percebido que Benjamin não era desconhecido na cidade, muito menos ali, na Universidade. As pessoas sabiam. Sabiam de tudo. Só precisavam de um estímulo para falar, para colocar para fora a verdade sobre aquele assassinato brutal e sem sentido, aí então, acreditava que estaria mais próxima de suas origens. Será que o silêncio ainda era uma imposição do medo? Será que o assassino de Benjamin era tão poderoso, que ainda, mantinha a todos sob vigilância? Mas, Ana estava mais do que disposta a cutucá-las para que falassem.

Já sabia até, qual seria seu próximo passo.


****


Ana caminhava rapidamente pela calçada da área residencial arborizada e elitizada. Algumas daquelas casas tinham estilo gótico, que ela considerava um tanto pesado, apesar da exuberância em seus traços rebuscados. Eram como os castelos de contos de fadas, que eram tão encantadores quando admirados ao longe, mas que em seu interior guardavam segredos sombrios de conspirações e ganância.

O cheiro fresco que exalava das árvores centenárias ao longo do passeio encheu seus pulmões. Lá estava ela, novamente, refazendo aquele trajeto. Chegou diante orfanato e ao invés de parar diante do pesado portão de ferro, dirigiu-se ao portão que ficava diante do corredor lateral à igreja. Por anos, aquele pequeno portão, ficara trancado, à semelhança do grande, mas à medida que os tempos foram se tornando menos densos, as freiras removeram o pesado cadeado que o trancava, e impedia a entrada de visitantes não anunciados. Para ser fiel à verdade dos fatos, ela não compreendera aquela transição, mas quando aconteceu, ela percebeu. Algo havia mudado. A atmosfera ficou mais leve.

Cobriu a distância que ela já conhecia. Entrou nos jardins exuberantes e bem cuidados do convento. Viu duas freiras que se inclinavam, para a poda das roseiras. Levantaram o rosto quando notaram sua presença e sorriram. Ela não podia negar que, às vezes, sentia saudades daquele lugar. Seus jardins a acalentavam. Caminhou pela alameda circular que rodeava a pequena fonte e olhou para a janela em arco que olhava para o jardim e viu uma face contemplativa. Lá está ela, pensou ao ver a Madre, deve ter pressentido problemas. Sorriu para si mesma.

Ela foi em direção à sala da freira e ao bater na grande porta de madeira ouviu um ‘entre’.

—Bom dia, Madre!

Ela lançou-lhe um olhar arguto.

—Bom dia, Ana! O que a traz aqui?

—Vim visitá-las, matar um pouco a saudade. Saber como está de saúde.

—Minha saúde... ela de vez em quando quer me deixar, mas acho que se arrepende e volta. Tão comum em minha idade. Mas, e você? Parece que está bem. Seu aspecto está bem melhor que da última vez em que esteve aqui — ela olhou para a moça esperando alguma confidência.

—Mudei de emprego — Ana sorriu. —Estou trabalhando na Galeria de Arte. Estou muito feliz com a mudança. É mais prazeroso e menos cansativo.

A freira sorriu.

—Fico feliz por você. Tem amigos?

Ela deu um suspiro.

—Poucos. Bem poucos. Mas são bons comigo.

A mulher recostou-se à cadeira e seu rosto demonstrou satisfação.

—Então, agora diga-me, qual o verdadeiro motivo de sua visita.

Ana sentiu-se culpada com suas palavras, mas não fez rodeios.

—Acho que sei quem foi meu pai. Benjamin. Ele foi assassinado, a senhora sabia disso?

As palavras deveriam sair de forma natural, mas o peso daquela sentença fez com que sua voz tremesse, e lágrimas começaram a descer de seus olhos.

—Ele foi assassinado covardemente, e eu queria entender o porquê. Provavelmente, este foi o motivo de eu ter vindo parar aqui. Ele era um designer talentoso — as palavras começaram a sair atropeladas de seus lábios. — Eu tenho quase certeza que ele é o meu pai. Talvez, eu não tenha sido abandonada. Não havia com quem me deixar e me largaram aqui. Não sei, provavelmente, ele era viúvo... mas ele era jovem. Minha mãe... Ele é meu pai, não é? Pode falar.

A mulher ficou olhando para ela com compaixão. Ficou a imaginar se havia feito bem em espalhar migalhas de pão no caminho para que ela as seguisse. Não estava surpresa com a descoberta de Ana. Ela era esperta. Encontraria o que queria, ainda que acabasse na China. Mas, não sabia se deveria dizer-lhe tudo. Talvez, fosse pesado demais para ela naquele momento. Ela já tinha o que queria. O pai. Para quê saber tudo?

—É verdade, Ana. Seu pai é Benjamin.

Ela cruzou os braços sobre a pesada escrivaninha, recostou a cabeça sobre eles e chorou. Não eram mais lágrimas silenciosas, mas soluços.

A mulher levantou-se, foi até ela e abraçou-a. Ela acabou por levantar a cabeça. Enxugou as lágrimas com as costas das mãos, mas estas teimavam em escapar-lhe dos olhos.

A freira colocou um copo de água diante dela, que ela pegou com mãos trêmulas e engoliu para tentar afastar as lágrimas.

—Quem matou meu pai?

—O caso de seu pai nunca foi solucionado. A polícia nunca pegou o assassino.

—Isso eu sei! Mas as pessoas sabem quem foi. Dizem por aí que foi um ricaço dessa cidade. E por isso deve estar por aí, solto até hoje. Quem foi, Madre? Me diz.

—As pessoas falam muitas coisas, Ana. Isso não quer dizer nada, minha filha.

—A senhora não vai me dizer, não é? Tudo bem, eu vou descobrir. Tem muita língua solta por aí. O que eu queria da senhora era só que me confirmasse o que eu já sabia. E minha mãe?

A freira respirou fundo.

—Eu sinto muito. Sua mãe também não está mais conosco, foi por isso que foi deixada aqui. Seu pai faleceu e não haviam familiares para cuidar de você. Sinto muito.

—Sabe o nome de minha mãe?

Oh, como ela gostaria de não ter revelado nada a Ana!

—Ana, eu não posso fazer isso. Sinto muito. Você ‘descobriu’ de alguma forma uma maneira de chegar a seu pai, e sinto muito pelas circunstâncias que encontrou, mas espero que entenda, que sou guardiã de informações que não posso revelar. São situações que não envolvem apenas você.

—Não sinta pelas circunstâncias que eu encontrei, Madre. Por mais dolorosas que sejam, eu encontrei um ser humano que admirei, mesmo antes de ter certeza de quem era. Apesar de saber, que ele...está morto, estou feliz por saber que ele era meu pai.

Ana olhou ao redor.

—Acho que tenho que ir agora. Preciso ir para o trabalho. Volto para visitá-las.

—Vou te esperar.

Elas se levantaram e abraçaram-se.

—Ana, vá devagar. Não tem que saber de tudo de uma vez.

‘Preciso!’, ela pensou.

—Está bem, Madre.

Ana deixou o orfanato aliviada. Agora não era mais uma suposição. Benjamin Bachman era seu pai.



****


João parou o carro diante do portão, e quando ia sair do veículo para abri-lo, viu-a passar.

Deixou o carro, abriu o portão e quando ia chamá-la, calou. Ao invés disso, ficou a imaginar o que ela fazia por ali. Por outro lado teve a impressão de que aquela cena lhe era familiar. Aquela não era a primeira vez que Ana passava em sua rua. Esperou que ela se afastasse um pouco, então a seguiu. Ela virou a esquina e ele se apressou. Alguns minutos depois estavam andando ao longo do muro alto do Orfanato. Ela passou pelo primeiro portão e depois entrou pelo segundo, mais estreito, ao lado da Igreja.

Ficou curioso para saber o que ela fazia ali, e teve vontade de ir atrás, mas aquilo lhe causaria problemas. Subiu os degraus da Igreja, e esperou no pórtico. Uma série de perguntas começaram a rondar sua mente. E histórias mirabolantes tomaram forma. Ele queria saber: o que ela fazia ali? Perguntaria. Pressionaria até que lhe contasse. Então, uma vozinha o alertou que ela sairia pela tangente. Ana sabia ser escorregadia. Usaria de outra estratégia. Em breve ele saberia tudo o que ela havia escondido dele. Ao saber da verdade, ele a confrontaria.

Ela usara aquela história de traição para terminar o namoro. Não tivera a dignidade de olhar em seu olhos e dizer que havia apenas se divertido um pouquinho com ele, o havia acusado de algo que não fizera. Enquanto ele levava a sério os sentimentos que tinha por ela, ela cinicamente o fazia de idiota. Queria ver o que ela diria quando ele revelasse a ela que conhecia sua vida e seus segredinhos.

Ouviu quando o ferrolho do portão foi aberto. Ele recuou para trás de uma pilastra e esperou ela passar, depois foi atrás.

Então, foi ela, que ele viu aquele dia, diante de sua casa, pensou quase fascinado com a coincidência. Ela rodopiava numa dança hipnótica. Ele nunca tinha visto uma expressão tão espontânea de alegria, em plena calçada pública antes. Se não tivesse certeza agora que era ela, duvidaria, pois com ele, ela era sempre contida. Porém, naquele dia, não enxergou os detalhes de seu rosto. Apenas na loja, alguns dias depois, a viu. E soube que a conhecia, que era familiar. Familiar demais.

Jamais admitiria para ela, que entrara na exposição de vitrais por tê-la visto subindo os degraus da galeria naquele dia. Inventou toda a história de seu gosto por vitrais a partir de seus parcos conhecimentos, embora tivesse que admitir, gostava de alguns deles. Apenas de alguns.


Vivia entre o dilema de esquecê-la e construir algo duradouro e confiável com Eduarda — bem mais confortável —, e ir até ela e obrigá-la para que dissesse por que o havia feito de tolo. Havia engolido seu orgulho e fora trás dela durante a SEMANA DE ARTE. Praticamente implorara para que reatassem o relacionamento e ela usou aquela historinha fictícia de traição como desculpa. Jurou a si mesmo que nunca mais a procuraria, mas agora, precisava entender aquela mulher, que parecia ter duas personalidades. A Ana com quem havia namorado e que demonstrara afeto e respeito por ele e esta outra, que o espicaçara e confundiu.


Gardenia Yud


terça-feira, 30 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 8

Após a SEMANA DE ARTE o Professor Mauro, indicou Ana para uma vaga na Galeria, o que a deixou bastante entusiasmada. O salário era basicamente o mesmo que ganhava na loja, e desta forma não teve nenhuma dúvida ao tomar sua decisão de pedir demissão.

—Nossa, que sorte a sua! Vai trabalhar com o que gosta, não é mesmo? Eu vou ficando por aqui... —Jeane suspirou passando os olhos casualmente pela loja.

—Vamos continuar nos encontrando para almoçarmos juntas.

Ana olhou para a amiga que a olhava um pouco pesarosa. Por estarem quase sempre no mesmo ambiente, estavam sempre a trocar confidências. Jeane falava dos pais idosos a quem ajudava, e às vezes, reclamava dos irmãos. Mas quando se lembrava da história de Ana sentia-se desconfortável por saber que a amiga não tinha ninguém para quem voltar.

—Quem sabe um dia não aparece uma outra oportunidade para você também? Algo melhor.

—É... só não sei bem do que eu gosto. Mas, estou satisfeita só de poder trabalhar. O pessoal aqui me conhece e respeita. Não tenho do que reclamar.

—Bem que podia voltar a estudar. Você me dá tantos conselhos...esse é o meu para você.

Jeane olhou para ela.  

—Talvez. E o João? Não o viu mais?

O semblante de Ana mudou. Desde a noite da SEMANA DE ARTE nunca mais o viu. Seu coração apertava só de lembrar dele. E agora, sempre que sua imagem surgia em sua mente, estava acompanhada de Eduarda. Era tão sofisticada. Nada tinha a ver com ela. Lembrava-se da forma protetora como ele a guiava quando chegou ao Auditório naquele dia.  

—Não.

—Também, né. O que você queria? Deu um fora nele. Sabe o que eu sinto? Que a vida tentou te ajudar colocando ele em seu caminho e você se boicotou.

—A vida nunca tentou me ajudar...esqueceu que eu cresci sem pai e mãe — disse amarga.

—Isso foi antes, mas agora, ela está tentando te dar uma mãozinha. João se importava com você, e se disse que não tinha nada com a moça, eu acredito nele.

Ana riu. Tinha crescido em um orfanato e Jeane é que era inocente. Era coincidência demais que ele estivesse namorando justo com aquela mulher, com quem ela o avistara semanas antes, enquanto ainda namoravam.

—Eu gostei muito dele. Acho até, que foi mais que ‘um gostar’. Me sentia...sinto uma ligação com ele que não sei explicar, mas também tem algo que me repele. Não é como uma aversão. É mais uma barreira.

—E tem ainda o fato de você não ter confiado a ele sua história no orfanato, não é? Absurdo! Acho que se fosse meu namorado, eu tinha dito a ele desde o primeiro dia. Se ele não me aceitasse por isso, bem aí sim, saberia que não era para mim. Mas você decidiu tudo sozinha, por causa de seu orgulho e falta de confiança.

—Já sei... é isso!

—O quê?

—Você deve estudar Psicologia.

Jeane sorriu.

—Gostei da sugestão. Vou pensar.

Elas se dirigiram até o ponto de ônibus e se despediram.

—Então, à partir de amanhã, só te vejo no almoço.

Ana olhou para o edifício da Galeria de Arte. Sua próxima fase.





Ela entrou na Biblioteca da Universidade e se dirigiu a área onde ficavam os periódicos.

—Onde ficam os jornais e publicações locais antigos, por favor?

A recepcionista apontou o corredor.

—Sabe me informar, quais as a publicações mais antigas que vocês tem aqui?

A mulher fez um muxoxo com a boca e a olhou através das lentes de seus óculos.

—Olha... acredito eu, que sejam as do ano que foi inaugurada a primeira imprensa nessa cidade.  Antiga o suficiente para você?

Ana ficou constrangida com o modo dela falar.

—Sim, obrigada.

Quando já ia prosseguindo em direção do corredor, ouviu a mulher chamar.

—Psiu, mocinha...

Ana voltou-se para ela.

—Cuidado para não danificar nenhum de nossos documentos, está ouvindo? Manuseio cuidadoso.

Ao chegar diante das estantes viu as pilhas de jornais classificados por ano e mês. Talvez, pensou ela, década de 70. Será que encontraria ali, alguma informação sobre Benjamin Bachman. Teria ele importância na sociedade da época para merecer alguma menção em um jornal? O Professor Mauro disse que ele tinha um talento especial. No caderno de Arte, talvez? ‘Ele nos deixou cedo...’, ‘forças das trevas’. Por que não perguntava logo ao Professor o que queria saber? 

Depois, pensando melhor, decidiu que não estava disposta ainda a revelar a ele toda a sua história. Toda vez que começava a contá-la, sentia como se tivesse pedindo a compaixão alheia. A pobre e pequena órfã.

Voltou até o balcão e abordou novamente a funcionária.

—Sabe, se existe uma forma de eu conseguir informações sobre uma pessoa em especial? Tenho um nome, mas não o artigo, datas.

A mulher colocou a mão na face com o indicador apontando para cima, enquanto seu polegar apoiava o queixo. Ao invés de responder, observava Ana silenciosamente, que logo pressentiu que não iria gostar do que ia ouvir, quando a mulher resolvesse abrir a boca. Ela finalmente dignou-se a falar.

—Sabe a impressão que você me dá? Que não é muito fã de Bibliotecas, não é? Pois, com certeza andou faltando o dia em que explicamos aos calouros como localizar um livro ou documento no acervo da Biblioteca. Embora acredite, que isso deveria ser matéria de Vestibular, pois quem não frequenta Bibliotecas não deveria nem mesmo estar em uma Universidade. As fichas catalográficas dos periódicos estão organizadas no Fichário. Aquele movelzinho de aço cinza, bem ali, atrás de você — apontou com o queixo. — Você tem que ter ao menos um nome e sobrenome da pessoa. Procure por ordem alfabética... o sobrenome.

Ana sentiu seu rosto em chamas. Com certeza, aquela mulher tinha conseguido o que queria. Respirou fundo. Decidiu não desfazer a falsa impressão que ela tinha sobre seu hábito de leitura. Revestiu-se de toda a humildade que pode encontrar em si mesma e falou:

—Senhora, me desculpe por incomodar, eu sei como utilizar o fichário, mas é que na verdade não sei se vou achar algo sobre este...cidadão. Não sei, se existe alguma menção em jornais a respeito dele. Sei que não faz muito sentido o que estou falando. Só estou realizando uma pesquisa aleatória...  

A mulher parecia não mais ouvi-la. Pegou uma caneta e começou a rabiscar um papel que estava sobre o balcão.

—Sei que ele estudou nessa Universidade, era um designer. Benjamin Bachman.

A caneta na mão da mulher parou por um instante, e ela levantou os olhos para Ana.

—Tente o Caderno Policial. 1970.

—Caderno Policial?

Ela voltou a rabiscar o papel.

—Obrigada.

Ana foi novamente ao corredor onde estavam os jornais. 1970. Começou com Janeiro. Com certeza, seria pedir demais à ela o mês e dia. Passou uma hora ali, mas não encontrou nada. Sua aula, breve começaria. Voltaria amanhã.

Passou pela funcionária e disse ‘até amanhã’.




Seu primeiro dia de trabalho foi de reconhecimento, mas ela já se sentia parte do lugar. Estar em meio a arte, fazia com que se sentisse elevada. Era como andar em meio a imortais. Sentia a glória que emanava de cada objeto e entendia a inspiração do artista, quer famoso ou anônimo. Conseguia enxergar em suas obras um pouco de suas almas. Em algumas havia beleza, em outras esplendor, e em outras, ainda, desespero e dor.

Seu trabalho era basicamente administrativo, bem diferente do anterior. Quando não estava no escritório, refugiava-se no pavilhão e contemplava as obras em exposição. Às vezes, não conseguia acreditar em sua boa sorte de estar sendo paga para estar ali.

Talvez Jeane estivesse certa, a vida começava a lhe compensar, não na proporção com que havia perdido, mas ao menos, agora, sentia como se sua identidade começasse a se definir melhor. Atravessou o pavilhão, de volta ao escritório e lembrou-se de quando esteve ali com João. Tinham tantas afinidades, ponderou.  

Naquele dia, outra Ana desceu os degraus da Galeria, e ela não saberia dizer exatamente o que havia acontecido. Era como se houvesse,finalmente se alinhado a seu propósito. Algo desabrochou em seu peito. Não imaginava que sentimentos e mudanças como aquelas ocorressem de uma hora para outra, como uma ‘metamorfose instantânea’. Talvez, existisse um bom futuro para ela, pensou. Aquele dia era especial.





Ao chegar à Biblioteca pegou os periódicos de Fevereiro de 1970 e foi sentar-se a uma escrivaninha mais distante das outras, para poder concentrar-se em sua busca. Dez minutos depois, percebeu que a funcionária aproximava-se dela. Colocou diante dela uma jornal e saiu, sem nada dizer.

Ela sentiu seu coração acelerar. O dia era 27 de Junho de 1970. Foi ao Caderno Policial, e as letras garrafais do primeiro artigo, saltaram até seus olhos: Assassinato Misterioso. Havia uma foto em preto e branco, quase apagada, mas ela pode perceber que era de um corpo que jazia ao chão.

Rapidamente seus olhos começaram a ler o artigo.

Na madrugada desta terça-feira 26, o corpo de um jovem, perfurado em seu tórax esquerdo por uma bala, foi encontrado sobre a ponte do Bairro de Santa Rosa. Hoje ele foi identificado como sendo do designer e estudante de Engenharia Benjamin Bachman, 25. Ainda não se sabe quem foi o autor do homicídio e sua motivação, mas a polícia afirmou que investigações já estão em andamento. A cidade está em comoção com o fato ocorrido, já que não são comuns os casos de assassinato nesta localidade à anos, e de acordo com amigos e familiares, a vítima era de hábitos ordeiros e visto como um artista de grande potencial, tendo inclusive, algumas de suas obras exportadas para Europa.


Lágrimas silenciosas desciam sobre a face de Ana. Não tinha nenhuma evidência, mas algo em seu coração lhe dizia que havia encontrado seu pai. 

₢Gardenia Yud

segunda-feira, 29 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 7

— É isso que eu acho, Ana. Você precisa encontrar uma forma de acreditar mais em você, melhorar sua auto-estima. Ou então, você não vai sobreviver tão bem aqui fora, sabe. Vão sempre tentar tirar de você alguma coisa, e sem confiança, você vai acabar entregando tudo. Não foi legal o que você fez ao João, e menos ainda com você mesma! Espero que você não descubra isso tarde demais!

Diante da expressão fechada de Ana, Jeane tocou seu braço gentilmente e disse:

— É só um conselho de amiga! Não estou tentando me intrometer em sua vida.

Jeane deu as costas para ela e foi embora, deixando-a no ponto de ônibus.

Ana estava confusa. Realmente achou Jeane invasiva. Havia passado anos com as freiras tomando decisões por ela, escolhendo o que deveria vestir, como se comportar.  E agora esperava fazer isso por ela mesma. Não acreditava que deveria ficar ao lado de alguém que não lhe demonstrava lealdade. Mas sua nova amiga, dizia que ela deveria ouvir João. Agora, porém, era tarde demais. Duvidava que ele queria vê-la. E não tinha coragem de falar com ele sobre sua história. E se a rejeitasse? Não sabia se aguentaria lidar com seu desprezo.

O ônibus da Universidade parou e ela entrou.

Estava desconfortável com a conversa que havia tido. Precisava ouvir conselhos de alguém que realmente se importasse com ela. Mas, quem? Não tinha ninguém. Sentia-se a pessoa mais solitária do mundo.  Às vezes, era como se estivesse rodeada por uma atmosfera fria, olhando as pessoas além dela com suas vidas ensolaradas. Apenas quando estivera com João sentira-se consolada. Suspirou melancólica.

Ana desceu do ônibus e apressou-se até o Departamento de Artes. 

Ao chegar à sala do Professor Mauro, viu através do vidro que ele estava sentado em sua mesa com algumas fotos diante de si. Quando a viu, abriu um sorriso e fez um gesto para que entrasse.

—Nossa! — ele exclamou. — Fiz uma viagem no tempo por sua causa. Velhas e boas lembranças, embora tenham me deixado um pouco nostálgico. Sente-se, Ana.

—Obrigado, Professor!

—Aqui, estão os trabalhos de meu velho amigo. Raridades que infelizmente só posso contemplar através destas fotos. O colorido destes vitrais se desvaneceram em minha mente com o tempo. Mas me emocionavam.

As mãos de Ana estavam frias. Quando pegou a primeira foto apreciou os detalhes dos desenhos nos vidros. Embora as fotos não fossem coloridas, a beleza deles era incontestável. Todos os elementos que faziam parte de sua individualidade como artista estavam lá. Então, mais uma vez, viu um vitral com o rosto de mulher. Algo a comoveu.

Ao perceber que ela estava hipnotizada por  aquela foto, ele sorriu:

—Percebeu, não foi?

—O quê? — ela perguntou acordando de seu êxtase.

—A semelhança entre a mulher do vidro e você.

Ana engoliu em seco, e olhou novamente para a imagem. Então era isso! Ela havia visto a si mesma naquela mulher. Talvez fosse o formato dos olhos. Os lábios. As maçãs do rosto. Ou todo o conjunto. O rosto da mulher parecia com o dela. Quando a avistara na casa, havia sentido algo, quase transcendente, mas não percebera aquela semelhança. Não era uma pessoa apegada a espelhos. Aprendera a renunciar aquelas ‘superficialidades’ no convento. Não estudava os próprios traços com frequência. Quando afastava-se do espelho não se lembrava muito de sua expressão. Às vezes, quando dava de cara consigo mesma nos espelhos da loja, se surpreendia com a imagem. Parecia estar olhando para outra pessoa.

—Parece com você.

—É... parece mesmo.

—Agora, olhe esta aqui.

Ele entregou a ela uma foto onde viu o Professor mais jovem com um rapaz. Eles sorriam para a câmera. Estavam encostados em um Fusca. As roupas eram no estilo dos anos 70. Por algum motivo o coração dela deu um pulo, e sua respiração ficou suspensa.

—Esse aí era Benjamin.

O sorriso dele era límpido. Mesmo através das lentes podia perceber a vivacidade e brilho de seus olhos.

—Um grande homem e artista, mas infelizmente deixou-nos cedo.

—O que aconteceu?

O semblante de Professor Mauro, repentinamente tornou-se sombrio.

—Forças das trevas, minhas querida — disse amargurado. — O mundo está cheio delas. Mas não vamos falar nisso. Vamos focar nas artes.

Ana segurou a foto firmemente, sem querer se separar dela.

—O que pretende, Ana?

—Como?

—Você me disse que é uma entusiasta das artes e sei que sua área é bem diferente, mas acredito que esteja com disposição para divulgar esse trabalho. Que tal?

—Eu?

—Por que não? Preciso de uma entusiasta das artes — disse sorrindo. — Veja bem. Não é todo dia que alguém chega aqui interessada em vitrais e que me pede informações de um designer em especial, que coincidentemente, também é meu preferido. E foi meu amigo.

—Mas... como eu poderia ajudá-lo? —questionou incerta.

—Divulgue os vitrais entre seu colegas. Preciso de voluntários aqui e na galeria. Pessoas que amem a arte. Que saiam de seu caminho por ela.

Ana sentiu-se um pouco culpada por ele pensar nela daquela forma. Gostava da arte, mas seus motivos para estar ali, eram mais pessoais. Menos elevados do que ele imaginava. Mas de certa forma, viu naquele convite uma forma de estar mais próxima da história de Benjamin, aquele desconhecido, que sentia como se fosse alguém próximo à ela.

—Está bem! — sorriu. Seu coração pareceu mais leve. Quase entusiasmado.

—Daqui a duas semanas estaremos realizando A SEMANA DA ARTE aqui na Universidade e na terça-feira realizaremos palestras e exibições de vitrais. À noite, será a palestra sobre Vitrais Religiosos. O evento será no Auditório do Departamento.  Preciso de alguém para me ajudar com slides e também com a recepção, entre outros detalhes. Sei que é ocupada, mas se tiver um tempinho, poderia me ajudar. E então?

— Claro!

Finalmente um objetivo! Ainda que não tivesse tempo, o criaria! Precisava fazer parte de algo que a inspirasse ou acabaria enfurnada em seu apartamento e afundando em pensamentos pessimistas.
Combinaram que ele deixaria o material a ser organizado no departamento com as orientações escritas e ela passaria lá para pegá-los. Às quartas à noite se reuniriam em sua sala para decidirem a relevância do material a ser divulgado.

—Obrigado pela oportunidade, Professor.

— Eu que agradeço pela ajuda.

—Tenho que ir agora. Minha primeira aula já vai começar. Até mais.

Professor Mauro ficou olhando a moça deixando sua sala e depois olhou a foto diante de si. 

Recostou-se na cadeira de espaldar alto e seus olhos se perderam em um outro lugar e outro tempo, muito longe dali.

Ana pensou nos vitrais da casa. Quase deixava escapar para o Professor Mauro sua descoberta, mas algo a impediu. Precisava descobrir mais, antes de expô-la. Será que Benjamin havia conhecido seus pais? E a mulher do vitral? Um pensamento absurdo perpassou seus pensamentos. Absurdo demais para ela deixar ir adiante. Precisava de mais informações, só então, teria como tirar conclusões.




Como esperara, o final de semana se arrastava, pensou João.

Graziela a todo tempo ‘jogava’ Eduarda para cima dele. E por um momento, ele até pensou em participar daquele ‘jogo’, mas então, percebeu que acabaria se abominando. Se ao menos começasse a gostar dela de verdade. Não era má ideia. Estava livre, não estava? Podia muito bem começar a investir em outro relacionamento, um em que não estivesse só.

Geovanni não perdia a oportunidade de falar em sua experiência na Europa, e a princípio, ele teve interesse de ouvir seus relatos, mas a forma arrogante como o irmão de Eduarda falava com ele, acabou por levantar algumas barreiras.

—Não ligue para o jeito de meu irmão, João. Ele é assim desde criança — Eduarda falou constrangida. 

João a olhou longamente. Ela não era apenas bonita. Era inteligente e amável. Pegou-se comparando-a à Ana. Lembrou-se de como ela podia tornar-se distante e até fria. Havia algo nela que não deixava que ele chegasse perto demais. Já havia pensado naquilo milhares de vezes. Talvez ela tivesse um segredo, ou simplesmente, ela não conseguia corresponder a seus sentimentos. Por que não aceitava e a esquecia?

Eduarda demonstrava, ainda que, com timidez que tinha interesse nele. Percebia em seu olhar. Decidiu que poderia dar à ela uma chance.

—Se você está me pedindo, eu não ligo — ele sorriu. — Como está indo na Universidade?

—Estou gostando bastante. É um mundo diferente do que eu estava acostumada — ela sorriu.

Ele divagou. Seus pensamentos voaram para longe. Mas ela continuava falando e ele se obrigava a acompanhar a conversa. Então, decidiu colocar um fim aquele emaranhado confuso que Ana criara em seus sentimentos.

—Quer ir comigo ao cinema no final da semana que vem, Eduarda?

—Claro!

Seu pedido não ficou em segredo por muito tempo. Ele percebeu pelo olhar de vitória da mãe.





A semana passou voando para Ana. Os preparativos da SEMANA DE ARTE a envolveram de tal forma que ela não se importou com seu cansaço. Havia planejado voltar a casa naquela semana, mas acabou deixando a ideia de lado para descansar.

Pensou em voltar ao assunto ‘Benjamin’ com o Professor Mauro, pensou até, em compartilhar com ele sua história e revelar suas suspeitas ,de que talvez, o designer estivesse de alguma forma ligado a seus pais. A sua casa. Talvez assim, ele lhe contasse mais à respeito dele, das ‘forças das trevas’, que havia mencionado antes. Precisava de nomes. Coordenadas.  Pistas.

Mas, os preparativos para a SEMANA DE ARTE se avolumavam. Alunos de Universidades de cidades vizinhas, bem como palestrantes compareceriam e precisavam de alojamentos. O Professor não havia parado um só instante, e Ana percebeu que ele realmente precisava de ajuda, pois apesar de ser muito solicitado, não era muito organizado. A última coisa que ele precisava naquele momento era ouvir confidências. Poderia até soar estranho a seus ouvidos. Deveria esperar o momento certo.

O evento finalmente chegou. Ela não iria trabalhar na terça, mas havia combinado com sua gerente que faria hora extra para compensá-lo. Queria saborear ao máximo o resultado de seus esforços.

A Universidade estava em um clima festivo. Os alunos do Departamento de Arte pintaram murais e espalharam um colorido especial por todo o Campus. Mas, assim que chegou, Ana dirigiu-se ao espaço que a atraia verdadeiramente. Os vitrais haviam sido dispostos no Auditório sob sua inspeção.

Os visitantes começaram a chegar, às vezes, aos pares, outras em grupos. Ela os recepcionava, entregava folders explicativos e conversava com os mais interessados, quando era questionada.  

Às 10:30 hs, quando um grupo saiu e o Auditório ficou vazio, Ana afastou-se um momento da entrada para abrir mais uma das cortinas que impedia que o sol batesse completamente sobre um dos vitrais. Quando voltava, o viu na entrada. Seu sangue gelou ao perceber que não estava só. Ela viu que ele segurava levemente o braço da moça que o acompanhava e estava a um passo adiante dele. Quando seus olhos se encontraram, a primeira reação dela foi correr, fugir dali.  Instintivamente, ele deixou de tocar moça e baixou os olhos.

Eduarda pegou um dos folders que estavam sobre a mesa e perguntou:

—Posso pegar?

—Claro — Ana respondeu seca.

A moça entregou um para João e manteve outro para si mesma. Ele agradeceu-a, ainda constrangido com a situação. Ana saiu de sua paralisia e foi na direção deles, mas não o olhou mais. Pegou os folders e se postou na porta de costas para o casal. Apenas ouvia as exclamações da moça, que estava encantada com os vitrais. Nunca imaginou que ele fosse capaz de fazer aquilo com ela. Trazer a namorada ali. Com certeza ele sabia que poderia encontrá-la naquele local e decidiu humilhá-la. Então, estava certa! Agora tinha a confirmação de sua traição. Sentia uma dor terrível em seu coração. Sua garganta doía, por prender o choro que queria deixar escapar para lavar sua alma.

Ouviu quando os passos deles se aproximavam da saída e respirou fundo.

—Obrigada! — disse Eduarda. —Realmente encantador este trabalho.

—Que bom que gostou — Ana respondeu séria e seca, pois se esboçasse, ainda que fosse a sombra de um sorriso educado, desmoronaria diante deles. As emoções, à todo custo, aprisionadas sairiam em cascata. Ela deu-lhes às costas e foi até o vitral onde o Cristo estava sangrando na cruz e o contemplou. Concentrou-se em todos os detalhes. Em cada cor. Ele olhava para o céu, pedindo clemência, mas ela sabia a história. Seu Pai não O ouviria e Ele derramaria até a última gota de sangue vermelho no cumprimento de sua pesada missão.

Ana virou-se para a porta e descobriu-se só.

Foi até a entrada e terminou aquele turno destruída. Recebeu as outras pessoas sem nenhum entusiasmo. Um aluno veio substituí-la para que fosse à cantina almoçar. Ela foi até o banheiro e chorou.




—Moça esquisita, aquela da recepção, não?

João não respondeu.

—Cara amarrada.

—Sua mãe me convidou para jantar com vocês hoje.

Ele continuou em silêncio.

Parou o carro na frente da casa dela e esperou ela sair, mas ao invés disso, ela perguntou:

—O que foi? Você ficou calado de repente.

—Nada. Não é nada.

—Então, nos vemos hoje à noite?

—Claro.

Ela olhou para ele e esperou. Então, ele a beijou de leve nos lábios.

João olhou para o folder que Eduarda deixou no banco e o pegou. Leu-o minuciosamente, depois, deu partida no carro e saiu.


Não haviam tantas pessoas na palestra sobre Vitrais Religiosos. Umas vinte no máximo. Espalhavam-se aleatoriamente nos assentos do auditório. Ana deixou a recepção e sentou-se em uma cadeira da última fileira para apreciar o conhecimento do palestrante. Alguns minutos depois, uma pessoa sentou-se ao seu lado. Ela não olhou de pronto, mas o sentimento de que era observada a fez virar a cabeça. João estava lá. Olhava fixamente para ela.

Ana levantou-se e saiu do auditório. O frio da noite atingiu sua face aliviando suas emoções tumultuadas.

Ele pegou-a pelo braço e obrigou-a a encará-lo:

—Isso tudo é culpa sua!

Aquelas palavras despertaram a raiva dela.

—Minha culpa! Quando ainda namorávamos você saia com ela! Você me traía e a culpa é minha?

—Eu não traí você enquanto estávamos juntos!

—Não foi ninguém que me disse. Eu vi! Eu vi vocês juntos.

O olhar dele pareceu confuso.

—Eu vi, João!

—O que foi que você viu? Eu nunca traí você!

—Eu te vi passando com ela de carro no centro da cidade. Hoje tive a confirmação daquele dia.

—Hã! Você me viu dando uma carona para ela e concluiu que eu te traí? — Ele passou a mão nos cabelos nervoso. —Por que não falou comigo? Por que não me perguntou? Você é imatura, mesmo, hein?

—Sou? Você só estava dando carona para ela hoje, também?

—Não, Ana. Mas quando você terminou comigo sem me dar nenhuma chance, as coisas mudaram.

—Você é rápido!

—E você é insensível! Quando eu percebi isso, agi como deveria.

—Então, me deixa em paz! — ela se desvencilhou dele e foi em direção a porta, mas ele a impediu e novamente a obrigou a olhá-lo nos olhos, então sussurrou.

—Se você pedir... eu termino tudo com ela hoje mesmo. Você só tem que pedir.

Ela soltou o braço que ele segurava e entrou no auditório.

₢Gardenia Yud