quarta-feira, 27 de maio de 2015

A CASA - CAPÍTULO 5

João notou que Ana estava distante.

Saíram do cinema e ela pouco falou. Dava respostas monossilábicas às suas tentativas de iniciar um diálogo, deixando-o inquieto.

─Aconteceu alguma coisa, Ana?

─Não...desculpe-me. Acho que estou um pouco preocupada.

─Com o quê?

─Com a prova que vou ter amanhã ─ mentiu.

Ele segurou sua mão e entrelaçou os dedos nos dela.

─Você vai se sair bem, sabe disso. Mas se tiver algum outro problema sabe que pode contar comigo, não é?

Ela sorriu e acariciou seu rosto.

─Não fui uma boa companhia para você hoje, não é? Me perdoe.

─Você é sempre uma boa companhia.

Ele deixou-a em casa, e combinaram de se ver na terça-feira, pois na segunda passava o dia na Universidade com seu orientador, resolvendo os últimos detalhes de sua monografia.

A casa, - o que havia visto e sentido nela -, consumia a mente de Ana. Mal se concentrava em seus afazeres, e sentiu-se culpada por não ter dado a João a atenção que ele merecia. Sem falar que outra ansiedade surgia em sua vida com aquele relacionamento. Não conseguia dizer a ele a verdade a seu respeito.

As mentiras que lhe contava pareciam se acumular. E se perguntava o que aconteceria quando elas viessem à tona. O que ele diria quando soubesse que sua namorada crescera em um orfanato? Que não tinha família ou nome? Que em sua identidade não havia nome de pai ou mãe? E que seu sobrenome, era igual à da maioria dos órfãos, que deixavam o orfanato Menino Jesus?

Trindade.

Por mais que fosse uma homenagem ao Criador e ao mistério que envolve Sua Pessoa, tinha dificuldades em aceitá-lo. Os órfãos o tinham como um estigma de que haviam sido abandonados pela família nas portas do Senhor. Algo como, o Senhor o deu, o Senhor o tome de volta.

Ana Trindade, era este seu nome. Um nome escolhido pelas freiras na pia batismal às pressas e que denotava certa falta de criatividade, já que haviam outras três meninas com nome igual ao dela. Mais um punhado de Marias, e outras tantas Isabéis.

Para nomear os meninos era mais fácil, já que Cristo tivera doze discípulos, embora só usassem o nome de dez, pois quando Judas Iscariotes cometeu o grande pecado, difamou o nome do outro Judas, o Tadeu. Uma das freiras disse que uma vez ousaram chamar um dos meninos Judas Tadeu, mas as outras crianças o chamavam apenas de Judas, e quando queriam irritá-lo, Judas Iscariotes. Ao perceberem o erro, trataram de mudá-lo e permitiram que ele o escolhesse, já que o haviam impingido - sem querer -, um peso, que podia até denegrir, futuramente, seu caráter.

Ele escolheu o nome de Roberto. Elas bem que tentaram negociar, influenciá-lo a escolher um nome bíblico. Até o apresentaram com uma lista de 50 nomes do Antigo Testamento, que estava fora do cânone de nomes escolhidos no Orfanato, que sempre dava prioridade ao Novo Testamento, repetindo-os quantas vezes fosse necessário - pensava-se até que era alguma promessa feita pelos padres e freiras fundadores, mas nunca comprovou-se o fato. Porém, não teve quem o demovesse de sua decisão. Ele queria ser Roberto e assim ficou.

Sua vida no orfanato não havia sido ruim. Tinha boas lembranças. As freiras eram pacientes com ela, e as crianças, com algumas exceções, foram suas amigas e confidentes. Eles, afinal compartilhavam de uma mesma tristeza. O abandono.  

Quando deixavam o orfanato e imergiam na sociedade, havia todo o tipo de reação. E não sabia, qual seria a de João.

Naquela noite, seu sono foi inquieto. Ao amanhecer, decidiu que voltaria à galeria de arte, e tentaria falar com um de seus organizadores. Quem sabe não tinham mais informações sobre aquele designer, cujos vitrais estavam nos fundos da casa de seus pais? Talvez, aquela informação fosse mais um elo, para ajudá-la a decifrar sua história.

Ela subiu as escadarias da galeria e caminhou até a administração. No meio do caminho, encontrou um funcionário.

─Bom dia, posso ajudá-la?

─Sim, eu gostaria de uma informação. Vim à uma exposição de vitrais à algumas semanas atrás, e gostaria de entrar em contato com o seu curador, Mauro Cartaxo Leme. Estou realizando um estudo sobre vitrais e preciso de algumas informações sobre um dos artistas que foram expostos.

─Ah, o Professor Mauro trabalha na Universidade. Ele é Coordenador do Departamento de História da Arte. Não será difícil encontrá-lo.

─Obrigada.

Ela deixou a galeria para voltar às pressas para o trabalho. Caminhou pela calçada e viu o carro de João parado diante do sinal. Adiantou o passo para acenar para ele. E congelou na ação. Ele conversava animado com uma moça, sentada no banco do passageiro. Entretido, não a viu. 

Ana a reconheceu. Era cliente esporádica da loja, pois na verdade o tipo de roupa que usava era de um estilo mais clássico e elegante. Eduarda Bellini de Alcântara. Nas raras vezes em que buscava algo mais casual para vestir, era rodeada pelas funcionárias, que não lhe poupavam elogios pela beleza e educação.

Seu coração afundou. Virou-se e caminhou apressada até a loja. Tristeza e suspeitas começaram a povoar seus pensamentos. Estava apaixonada por João. Mas, imaginava, se ele, ao menos, gostava dela. Ele havia mentido ao dizer que estaria com seu coordenador. Ela podia mentir, mas era genuína em relação aos seus sentimentos.

Estava tão atordoada com o que havia visto que ao chegar na loja, Jeane, uma de suas colegas a abordou.

─Algo errado?

─Não. Só um pouco de dor de cabeça.

─Tenho remédio para dor de cabeça em minha bolsa.

─Obrigada, Jeane.

─E, se precisar de um ouvido amigo, pode contar comigo também.

Ela sentou-se em uma cadeira e suspirou.

─Vi meu namorado com outra pessoa.

─Sinto muito! O que ele disse quando você o viu.

─Ele não me viu.

─Humm... você deve falar com ele.

─Não quero nem vê-lo, agora. Não sei se quero vê-lo mais.

─Entendo. Quando estiver mais calma, talvez.

─Obrigada por me ouvir, Jeane.

Na quarta-feira, Ana pediu para ser dispensada pela manhã do trabalho a fim de resolver algumas questões pessoais. Planejava ir ao Departamento de Arte. Precisava falar com Professor Mauro.

No dia seguinte, saiu logo cedo para a Universidade e procurou pelo Professor Mauro no Departamento de Arte. Foi mais fácil que imaginava. Alto, corpulento, cabelo amarrado em um rabo de cavalo e de barba encanecida e bem aparada, era um homem das artes. Até em sua forma de vestir-se, instigava e provocava seu observador. Olhou-a de forma inquisidora através das lentes de seus óculos.

─Está me procurando? ─ ecoou com sua voz possante.

─Bom dia, Professor. Meu nome é Ana e estou realizando uma pesquisa sobre vitrais. Fui à exposição que organizou e fiquei interessada em um dos artistas em especial: B. Bachman.

Seu rosto manifestou surpresa com o assunto.

─Que tipo de pesquisa? Você é aluna do Curso de História da Arte?

Seu rosto enrubesceu.

─Na verdade, sou estudante de Direito. Me considero uma entusiasta das artes, em especial dos vitrais.

Ele abriu um sorriso largo.

─A arte tem esse poder de entusiasmar as pessoas, de fato. Mas fiquei curioso, por estar interessada justo em Benjamin.

─Benjamin?

─Sim, foi aluno desta Universidade anos atrás. Aluno de Arquitetura, mas era uma artista e designer brilhante. Uma figura especial. Não havia muitos trabalhos dele a serem apresentados, mas tenho fotos de outros trabalhos dele. Em preto e branco. Mas, ainda assim é possível ver o desenho perfeito. Pode voltar outro dia? Trarei as fotos.

─Estudo aqui à noite, durante o dia trabalho.

─Às quartas, estou aqui à noite.

─Perfeito!

Ana ficou satisfeita com sua descoberta. Então, o seu artista chamava-se Benjamin. Agora queria entender como ele estava relacionado a sua história, se é que estava. Chegou a loja e Jeane à abordou.

─João à procurou.

Seu coração disparou ao ouvir aquilo.

─Achou que você tinha estado doente, pois disse que foi à sua casa e você não respondeu a campainha. Ele te esperou em frente à loja nos últimos dias e também não te viu.

─Saí pelo estacionamento.

─Ele parecia preocupado. Por que não fala com ele e tira esta história à limpo?


─Vou pensar.