terça-feira, 30 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 8

Após a SEMANA DE ARTE o Professor Mauro, indicou Ana para uma vaga na Galeria, o que a deixou bastante entusiasmada. O salário era basicamente o mesmo que ganhava na loja, e desta forma não teve nenhuma dúvida ao tomar sua decisão de pedir demissão.

—Nossa, que sorte a sua! Vai trabalhar com o que gosta, não é mesmo? Eu vou ficando por aqui... —Jeane suspirou passando os olhos casualmente pela loja.

—Vamos continuar nos encontrando para almoçarmos juntas.

Ana olhou para a amiga que a olhava um pouco pesarosa. Por estarem quase sempre no mesmo ambiente, estavam sempre a trocar confidências. Jeane falava dos pais idosos a quem ajudava, e às vezes, reclamava dos irmãos. Mas quando se lembrava da história de Ana sentia-se desconfortável por saber que a amiga não tinha ninguém para quem voltar.

—Quem sabe um dia não aparece uma outra oportunidade para você também? Algo melhor.

—É... só não sei bem do que eu gosto. Mas, estou satisfeita só de poder trabalhar. O pessoal aqui me conhece e respeita. Não tenho do que reclamar.

—Bem que podia voltar a estudar. Você me dá tantos conselhos...esse é o meu para você.

Jeane olhou para ela.  

—Talvez. E o João? Não o viu mais?

O semblante de Ana mudou. Desde a noite da SEMANA DE ARTE nunca mais o viu. Seu coração apertava só de lembrar dele. E agora, sempre que sua imagem surgia em sua mente, estava acompanhada de Eduarda. Era tão sofisticada. Nada tinha a ver com ela. Lembrava-se da forma protetora como ele a guiava quando chegou ao Auditório naquele dia.  

—Não.

—Também, né. O que você queria? Deu um fora nele. Sabe o que eu sinto? Que a vida tentou te ajudar colocando ele em seu caminho e você se boicotou.

—A vida nunca tentou me ajudar...esqueceu que eu cresci sem pai e mãe — disse amarga.

—Isso foi antes, mas agora, ela está tentando te dar uma mãozinha. João se importava com você, e se disse que não tinha nada com a moça, eu acredito nele.

Ana riu. Tinha crescido em um orfanato e Jeane é que era inocente. Era coincidência demais que ele estivesse namorando justo com aquela mulher, com quem ela o avistara semanas antes, enquanto ainda namoravam.

—Eu gostei muito dele. Acho até, que foi mais que ‘um gostar’. Me sentia...sinto uma ligação com ele que não sei explicar, mas também tem algo que me repele. Não é como uma aversão. É mais uma barreira.

—E tem ainda o fato de você não ter confiado a ele sua história no orfanato, não é? Absurdo! Acho que se fosse meu namorado, eu tinha dito a ele desde o primeiro dia. Se ele não me aceitasse por isso, bem aí sim, saberia que não era para mim. Mas você decidiu tudo sozinha, por causa de seu orgulho e falta de confiança.

—Já sei... é isso!

—O quê?

—Você deve estudar Psicologia.

Jeane sorriu.

—Gostei da sugestão. Vou pensar.

Elas se dirigiram até o ponto de ônibus e se despediram.

—Então, à partir de amanhã, só te vejo no almoço.

Ana olhou para o edifício da Galeria de Arte. Sua próxima fase.





Ela entrou na Biblioteca da Universidade e se dirigiu a área onde ficavam os periódicos.

—Onde ficam os jornais e publicações locais antigos, por favor?

A recepcionista apontou o corredor.

—Sabe me informar, quais as a publicações mais antigas que vocês tem aqui?

A mulher fez um muxoxo com a boca e a olhou através das lentes de seus óculos.

—Olha... acredito eu, que sejam as do ano que foi inaugurada a primeira imprensa nessa cidade.  Antiga o suficiente para você?

Ana ficou constrangida com o modo dela falar.

—Sim, obrigada.

Quando já ia prosseguindo em direção do corredor, ouviu a mulher chamar.

—Psiu, mocinha...

Ana voltou-se para ela.

—Cuidado para não danificar nenhum de nossos documentos, está ouvindo? Manuseio cuidadoso.

Ao chegar diante das estantes viu as pilhas de jornais classificados por ano e mês. Talvez, pensou ela, década de 70. Será que encontraria ali, alguma informação sobre Benjamin Bachman. Teria ele importância na sociedade da época para merecer alguma menção em um jornal? O Professor Mauro disse que ele tinha um talento especial. No caderno de Arte, talvez? ‘Ele nos deixou cedo...’, ‘forças das trevas’. Por que não perguntava logo ao Professor o que queria saber? 

Depois, pensando melhor, decidiu que não estava disposta ainda a revelar a ele toda a sua história. Toda vez que começava a contá-la, sentia como se tivesse pedindo a compaixão alheia. A pobre e pequena órfã.

Voltou até o balcão e abordou novamente a funcionária.

—Sabe, se existe uma forma de eu conseguir informações sobre uma pessoa em especial? Tenho um nome, mas não o artigo, datas.

A mulher colocou a mão na face com o indicador apontando para cima, enquanto seu polegar apoiava o queixo. Ao invés de responder, observava Ana silenciosamente, que logo pressentiu que não iria gostar do que ia ouvir, quando a mulher resolvesse abrir a boca. Ela finalmente dignou-se a falar.

—Sabe a impressão que você me dá? Que não é muito fã de Bibliotecas, não é? Pois, com certeza andou faltando o dia em que explicamos aos calouros como localizar um livro ou documento no acervo da Biblioteca. Embora acredite, que isso deveria ser matéria de Vestibular, pois quem não frequenta Bibliotecas não deveria nem mesmo estar em uma Universidade. As fichas catalográficas dos periódicos estão organizadas no Fichário. Aquele movelzinho de aço cinza, bem ali, atrás de você — apontou com o queixo. — Você tem que ter ao menos um nome e sobrenome da pessoa. Procure por ordem alfabética... o sobrenome.

Ana sentiu seu rosto em chamas. Com certeza, aquela mulher tinha conseguido o que queria. Respirou fundo. Decidiu não desfazer a falsa impressão que ela tinha sobre seu hábito de leitura. Revestiu-se de toda a humildade que pode encontrar em si mesma e falou:

—Senhora, me desculpe por incomodar, eu sei como utilizar o fichário, mas é que na verdade não sei se vou achar algo sobre este...cidadão. Não sei, se existe alguma menção em jornais a respeito dele. Sei que não faz muito sentido o que estou falando. Só estou realizando uma pesquisa aleatória...  

A mulher parecia não mais ouvi-la. Pegou uma caneta e começou a rabiscar um papel que estava sobre o balcão.

—Sei que ele estudou nessa Universidade, era um designer. Benjamin Bachman.

A caneta na mão da mulher parou por um instante, e ela levantou os olhos para Ana.

—Tente o Caderno Policial. 1970.

—Caderno Policial?

Ela voltou a rabiscar o papel.

—Obrigada.

Ana foi novamente ao corredor onde estavam os jornais. 1970. Começou com Janeiro. Com certeza, seria pedir demais à ela o mês e dia. Passou uma hora ali, mas não encontrou nada. Sua aula, breve começaria. Voltaria amanhã.

Passou pela funcionária e disse ‘até amanhã’.




Seu primeiro dia de trabalho foi de reconhecimento, mas ela já se sentia parte do lugar. Estar em meio a arte, fazia com que se sentisse elevada. Era como andar em meio a imortais. Sentia a glória que emanava de cada objeto e entendia a inspiração do artista, quer famoso ou anônimo. Conseguia enxergar em suas obras um pouco de suas almas. Em algumas havia beleza, em outras esplendor, e em outras, ainda, desespero e dor.

Seu trabalho era basicamente administrativo, bem diferente do anterior. Quando não estava no escritório, refugiava-se no pavilhão e contemplava as obras em exposição. Às vezes, não conseguia acreditar em sua boa sorte de estar sendo paga para estar ali.

Talvez Jeane estivesse certa, a vida começava a lhe compensar, não na proporção com que havia perdido, mas ao menos, agora, sentia como se sua identidade começasse a se definir melhor. Atravessou o pavilhão, de volta ao escritório e lembrou-se de quando esteve ali com João. Tinham tantas afinidades, ponderou.  

Naquele dia, outra Ana desceu os degraus da Galeria, e ela não saberia dizer exatamente o que havia acontecido. Era como se houvesse,finalmente se alinhado a seu propósito. Algo desabrochou em seu peito. Não imaginava que sentimentos e mudanças como aquelas ocorressem de uma hora para outra, como uma ‘metamorfose instantânea’. Talvez, existisse um bom futuro para ela, pensou. Aquele dia era especial.





Ao chegar à Biblioteca pegou os periódicos de Fevereiro de 1970 e foi sentar-se a uma escrivaninha mais distante das outras, para poder concentrar-se em sua busca. Dez minutos depois, percebeu que a funcionária aproximava-se dela. Colocou diante dela uma jornal e saiu, sem nada dizer.

Ela sentiu seu coração acelerar. O dia era 27 de Junho de 1970. Foi ao Caderno Policial, e as letras garrafais do primeiro artigo, saltaram até seus olhos: Assassinato Misterioso. Havia uma foto em preto e branco, quase apagada, mas ela pode perceber que era de um corpo que jazia ao chão.

Rapidamente seus olhos começaram a ler o artigo.

Na madrugada desta terça-feira 26, o corpo de um jovem, perfurado em seu tórax esquerdo por uma bala, foi encontrado sobre a ponte do Bairro de Santa Rosa. Hoje ele foi identificado como sendo do designer e estudante de Engenharia Benjamin Bachman, 25. Ainda não se sabe quem foi o autor do homicídio e sua motivação, mas a polícia afirmou que investigações já estão em andamento. A cidade está em comoção com o fato ocorrido, já que não são comuns os casos de assassinato nesta localidade à anos, e de acordo com amigos e familiares, a vítima era de hábitos ordeiros e visto como um artista de grande potencial, tendo inclusive, algumas de suas obras exportadas para Europa.


Lágrimas silenciosas desciam sobre a face de Ana. Não tinha nenhuma evidência, mas algo em seu coração lhe dizia que havia encontrado seu pai. 

₢Gardenia Yud

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