1970
Parte 1
Ela sentou-se sobre o batente da janela do quarto, estendeu uma das
pernas para tentar alcançar o galho da árvore que estava próxima, mas não
conseguiu. Suspirou exasperada. Nunca subira em árvores quando criança e agora
percebera o quanto aquela habilidade lhe fazia falta. Porém o que sempre a
impedira de ser uma exímia escaladora de árvores, foi seu medo de alturas, que
aliás, nunca havia sido superado.
Olhou para baixo e se perguntou quantos ossos quebraria se caísse do
primeiro andar. E pior, não acordaria só seu pai e avó, mas toda a vizinhança e
colocaria tudo perder.
Só tinha uma forma, teria que se jogar até o galho, e fosse o que Deus
quisesse. Respirou fundo. Contou mentalmente até três e pulou. Pareceu uma
eternidade até ela sentir a superfície do galho. Firmou-se com segurança, mas
ficou pendurada sem conseguir impulsionar as pernas para cima. A superfície
rugosa da árvore começou a machucar suas mãos. A possibilidade de
ela cair dali, já não era tão improvável.
Ouviu um ruído como o de bater de asas bem próximo à ela. Conseguiu
virar a cabeça apenas o bastante para perceber que morcegos voavam de um lado
para o outro e pousavam em um galho perto do que ela estava pendurada. Foi o
suficiente para encorajá-la. Balançou o corpo para frente e para trás, como se
a equilibrista dentro dela tivesse despertado e jogou as pernas longas sobre o
galho onde estava pendurada. Com uma força que não imaginava possuir sentou-se
sobre ele como uma amazona. Devagar foi se aproximando do caule central e colocou
o pé sobre uma reentrância da árvore de onde pode alcançar um caminho mais
fácil e seguro até o solo.
Tocou o chão e acreditou ter enfrentado seu pior obstáculo, quando
virou-se em direção ao portão alto diante de sua casa e estremeceu ao ver a
mulher de cabelos encanecidos puxados em um coque rígido e vestida em um roupão
negro olhando friamente para ela.
Ela levou a mão ao peito devido ao susto.
—Você enlouqueceu, Clara?
—Me assustou! — sussurrou a moça para ela. —Parece mais
uma alma penada.
—Seu pai vai matar você!
Clara levou um dedo aos lábios em sinal de silêncio.
—E sua avó? O que ela vai dizer?
A moça apenas beijou-a na testa e se esgueirou pelas sombras da noite em
direção ao portão. Só não esperava pelo cadeado enorme que encontrou. Estava
acostumada a deixar a mansão de carro e era o motorista quem sempre abria o
portão. Não levou em conta aquele detalhe. Como fora amadora em seu plano. De
relance, ela o viu através da grade, do outro lado da rua escura. Firmou o
olhar e percebeu que ele corria em sua direção.
—Está trancado!
—O muro. Pula!
—O que? Olha a altura! Não consigo!
—Oh, não!
Ela viu a expressão de Benjamin mudar ao olhar por sobre seu ombro.
Então, com uma rapidez que a surpreendeu, ele jogou-se sobre a parede do muro, agarrando-se
as bordas e começou a escalá-lo. Clara olhou para trás e percebeu uma sombra
vindo rapidamente em sua direção. Teria seu pai acordado?
O namorado pousou a seu lado e abaixou-se rente à parede.
—Vem, sobe nas minhas costas. Rápido!
—Ele vai matar você! — disse ela apavorada.
—Rápido!
Quando ela começou a obedecê-lo, identificou a sombra que se aproximava.
Obedina.
A mulher olhou para os dois de forma grave e retirou a chave de seu
bolso.
—Sei que vou arrepender-me para o resto da vida pelo que estou fazendo.
Colocou a chave no cadeado e o abriu.
Eles atravessaram e Clara olhou para ela grata. Obedina encarou o rapaz
magro e alto, de cabelos lisos, castanhos e longos demais para que pudesse
apreciar seu corte. Uma franja que a aborrecia e ele jogava displicentemente
para o lado, insistia em quase sempre cobrir seus olhos esverdeados. Tinha um
rosto terno, quase infantil.
A primeira vez que pousou os olhos nele ficou imaginando que feitiço ele
havia colocado nela. Não era exatamente um rapaz bonito. Quis
odiá-lo assim como o pai e avó dela odiavam. Ele causara problemas
inimagináveis naquela família. Mas por algum motivo, não conseguia. De tanto
Clara falar dele, de como ‘era amável com ela, de sua força de caráter,
bondade’ passou a vê-lo através de seus olhos e o amor que ela tinha por ele,
meio que se infiltrou no coração da governanta da casa.
Uma vez pode comprovar que o que ela dizia era verdade. Clara havia
saído para encontrá-lo e neste instante seu pai chegou e o viu. O
relacionamento ainda era incipiente. Ao tentar impedi-la com sua costumeira
tirania, Benjamin interveio. Nunca vira ninguém enfrentar o Dr. Otho em toda
sua vida. Era um homem poderoso. Obedina conhecia alguns dos segredos obscuros
que o rodeavam, ele não era homem de poupar ninguém. Nem de perder o que lhe
pertencia.
A filha era preciosa demais para ele, não no sentido afetivo. Era uma
peça que usaria para forjar uma aliança com outra família tão poderosa quanto a
dele. Ela não tinha como escapar do destino que o pai havia traçado para ela,
até que conheceu Benjamin na Universidade, então passou a vislumbrar outra
vida.
Ela mudou. Os olhos brilhavam. Quando a avó falava com ela em seu
costumeiro tom reprovador, a neta não a olhava mais com sua costumeira
submissão. Não corria para obedecer suas vontades. Clara não era de se rebelar
aos gritos ou com violência, isso não estava em sua alma serena. Antes,
fazia-se de surda, algumas vezes de muda. Levantava-se e esquivava-se da
presença da avó e para espanto de todos começou a fazer comentários
sarcásticos.
Obedina não foi a única a perceber a resistência, o pai de Clara também
o percebeu. E um dia, quando Clara realizou uma demonstração de sua nova
personalidade durante o jantar, Dr. Otho saiu de seu assento, foi até ela,
ordenou que se levantasse e então estapeou-lhe o rosto.
A palmada ecoou na sala de jantar e de tão forte a fez cair sentada
sobre a cadeira.
Odedina estremeceu. Edwina continuou a comer como se nada tivesse
acontecido.
Ele nunca havia batido nela antes. Sua estratégia era mais um olhar frio
e mortal, palavras autoritárias, e o poder esmagador que emanava dele e oprimia
só de se estar no mesmo ambiente. Havia mantido o espírito calmo e pouco
questionador da filha sob sua influência despótica e arbitrária sem nunca
levantar a mão. Ele a fazia desaparecer apenas com um olhar. Ela o temia. Mas
quem não o temia? Até que sutis mudanças começaram a ocorrer em seu
comportamento.
Clara levou a mão ao rosto. Obedina viu as lágrimas descerem de seu
rosto e soluços saírem de seus lábios. Seu pai voltou a cabeceira e retomou seu
jantar. Quando Clara levantou-se para deixar a mesa ele rosnou.
—Sente-se! Quem lhe deu permissão para sair.
Ela permaneceu até o fim da refeição, sem mais tocar na comida.
Mas todos se enganaram ao pensar que Clara retornaria ao seu costumeiro
comportamento servil. A intimidação não funcionou. Ela estava mudada para
sempre. E uma guerra começou na mansão do poderoso Otho Braun.
Obedina viu o casal correr através da escuridão da noite e entrar no
fusca branco de Benjamin.
‘Que Deus guardasse aquelas pobres crianças e tivesse piedade dela se
seu patrão descobrisse o que havia feito.’
Rodeou a mansão e entrou pela porta dos fundos. Pegou a molho de chaves
que o motorista havia deixado na cozinha e colocou de volta a que havia tirado
sorrateiramente.
****
—Obedina, já preparou o café de Clara? — perguntou Edwina
autoritária.
—Sim, senhora.
—Venha logo. Otho logo vai descer e preciso falar com ele antes de sair.
Ambas subiram as escadas e ainda no corredor Edwina retirou uma chave do
bolso. Ao abrir a porta a mulher viu a cama arrumada e nem um sinal da neta. A
janela estava aberta e a brisa da manhã soprava suavemente, fazendo tremular a
cortina branca. Com apreensão abriu a porta do lavabo para ver se a encontrava.
Ao constatar o sumiço da neta, fuzilou Obedina com seu olhar.
—Onde ela está? — interrogou sem delongas a governanta, que
tentou esconder o medo que se derramava de seus olhos.
—Como eu poderia saber?
—Pensa que eu não a vejo de conchavos com Clara?
A outra respirou fundo tentando encontrar a frieza que precisava.
—É verdade que cuido das necessidades dela e dessa casa, pois a senhora
mesma me contratou com este propósito, por isso sempre me vê a conversar com a
menina. Mas com todo o respeito, Dona Edwina, desde que a senhora começou
a... — limpou a garganta para não dizer nenhuma palavra que a
insuflasse mais —, mantê-la no quarto, só a vejo e falo com ela
quando a senhora abre a porta. Não tenho a chave.
Edwina trespassou-a com o olhar e disse ameaçadoramente: ‘É bom que não
tenha nada a ver com isso, mesmo.’ Passou por ela e foi em busca do filho.
Obedina foi até a janela aberta e olhou a árvore a mais ou menos um
metro de distância. Se o pai de Clara acreditasse que ela havia recebido seu
auxílio, estaria em grandes apuros.
****
—Ela fugiu com aquele hippie de raça ruim? Como eles ousam me desafiar?
Esmagou um cálice que estava em suas mãos, e não se importou quando
sangue escorreu de entre seus dedos.
—Obedina! Como ela não impediu?
—Ela afirmou que não sabia... na verdade quem estava com a chave do
quarto era eu. Ela saiu pela janela.
O homem a olhou incrédulo.
Não acreditava que permitir à filha frequentar a Universidade fosse
desencadear tantos dissabores a ele. Devia tê-la enviado a alguma Universidade
fora do Brasil, perto do pretendente que tinha para ela, ou melhor seria, se
não tivesse lhe permitido nem um outro grau de educação. Desta forma
não teria conhecido aquele judeu comunista.
— Quero Melissa aqui, agora!
Melissa era a única ‘amiga’ que permitiam a Clara. Sua procedência era
um mistério. Como havia chegado ao círculo daquela família fechada era
incompreensível para Obedina. Tinha a mesma idade de Clara, mas o que esta
tinha de ‘verde’ a outra tinha de experiente. Era casada, e seu marido era um
homem respeitável e correto. Bastante contido, era verdade, mas podia-se
enxergar bondade em suas atitudes. Seu perfil não se encaixava no grupo que
frequentava aquela casa. Ele tinha um pequeno empreendimento, relativamente
próspero e que prometia avançar com o tempo, mas em uma velocidade e dimensão
do tamanho de sua ambição que era bem pálida em relação a da esposa que
rescendia à ganância. Foi estranho descobrir que Melissa havia chegado à mansão
através das mãos de Dr. Otho e não dos negócios de seu marido. Ela aproximou-se
de Clara como uma influência desejável. E Clara — solitária—, ficou satisfeita
por ter uma amiga tão vibrante, sofisticada e aprovada por sua família. Para
ela, era como ler um livro vivo e obter informações que ela não teria de outra
forma.
Melissa e o marido tinham um filho de quatro anos. João. Tinha
semelhança com o pai, tanto em suas atitudes quanto aparência. Era um menino
calmo e bondoso. Obedina notava que ele tornava-se mais sóbrio sob a sombra da
mãe, mas diante do pai sua infância borbulhava. Tornava-se mais espontâneo.
O tempo e a convivência na mansão dos Brauns, mudou por completo a
dinâmica da pequena família. O marido de Melissa que já sofria bastante a
influência da personalidade da esposa, tornou-se em uma sombra de homem diante
da força compressora de Dr. Otho. Sua empresa deu um salto inacreditável em
pouco tempo. Mas ele já não era capaz de pensar por si mesmo. Seu progresso
instantâneo foi conseguido através do poder social de estar vinculado a Dr.
Othon. Melissa deliciava-se com seu status, que se elevava a olhos
vistos. Mas João sofria. Não via o pai tanto quanto queria ou precisava.
Obedina percebeu que a força que operava naquela casa, estrangulava
aquela pequena alma. Quando ele e sua mãe vinham visitar Clara, ela o chamava a
cozinha e oferecia-lhe um pedaço de bolo que ele comia sem muita vontade. ‘Coma
tudinho. Vê?’, ela apontava para o recheio, ‘é doce de leite’.
Porém, quando estava perto de Clara, o menino sorria. Certa vez, ela
removeu seu velho conjunto de pintura do sótão e o estimulou a desenhar,
enquanto conversava com Melissa. Sempre que aparecia na casa, a primeira coisa,
de que falava era no conjunto de pintura. Com pincel na mão ele recolhia-se a
um mundo mais infantil e agradável.
Clara uma vez comentou com Obedina que achava que Melissa criava o
menino como se fosse um adulto e tolhia-o demais. A governanta riu, pois não
era assim mesmo que Clara havia sido criada? Queria resgatar a si mesma, quando
encorajava o menino. Eram almas parecidas.
A governanta ficou pasma, quando, logo no início de seu namoro com
Benjamin passou a falar dele para o menino como se fosse um super herói.
—Está louca, Clara? Ele é apenas uma criança. Pode revelar ao pai, que
então contará ao seu?
Mas não demorou muito tempo para que o segredo de Clara chegasse aos
ouvidos de Edwina. Obedina nunca duvidou da participação de Melissa, que havia
se tornado confidente da moça. Seu discernimento e sabedoria lhe diziam que
aquela informação tinha tido preço de ouro e havia selado de vez sua aliança de
vez com Dr. Braun, ao demonstrar quão leal ela era. Melissa negou
sua traição e ainda tentou jogar a culpa sobre João. ‘Ele é só uma criança, não
deve ter feito por mal.’ Porém a desconfiança de Clara estava sob
Melissa.
Dr. Otho ficou furioso. Sua filha passou a andar escoltada para a
Faculdade. O motorista praticamente a levava até a sala de aula e seguia de
longe cada passo seu no Campus, até o momento de ela voltar para casa. As
negociações para seu casamento foram apressadas. Como ela e Benjamin
conseguiram manobrar tanta vigilância para continuarem se vendo, Obedina nunca
soube.
****
Clara segurava um buquê simples de flores do campo e usava um vestido
creme, cujo comprimento passava apenas alguns dedos de seu joelho. Pegou a
caneta e assinou o livro a sua frente. Depois foi a vez dele. O juiz de paz os
declarou marido e mulher e Benjamin beijou sua testa.
Na estrada, de volta à cidade em que moravam, ela olhou para a aliança
em seu dedo anular esquerdo, beijou-a, e suspirou de felicidade. Olhou para o
perfil do marido que estava concentrado na estrada e disse a si mesma que nunca
pensou que tanta felicidade fosse possível.
Ela aproximou-se dele e encostou a cabeça sobre seu ombro. Desviando um pouco
seu olhar da estrada ele beijou seus cabelos.
—Eu nunca imaginei que conseguiríamos — ela disse.
—E eu nunca duvidei.
Finalmente ela sentia-se livre da vontade opressiva do pai. Sempre o
temera. Quando se enfurecia ela tinha verdadeiro pavor dele. Seu sangue gelava.
Não conhecia uma pessoa na cidade que não o temesse, até ela conhecer Ben. Não
imaginava que um homem como ele existia. Em seu meio, os homens lutavam pelo
poder e queriam sempre suplantar uns aos outros. O grande vencedor recebia os louros
e decidia o destino de seus aliados.
Não haviam gentilezas entre eles, apenas a necessidade de se mostrarem
superior. Qualquer gesto de bondade era visto como fraqueza. Concessões, quando
feitas, eram para alcançar benefícios e satisfazer interesses egoístas. Viviam
em uma guerra silenciosa pelo poder. E todo aquele proceder se estendia para as
alianças entre casais.
A primeira vez em que conversou com um homem, que não tentava ganhar sua
atenção pela presunção de sua riqueza ou poder, foi quando aquele rapaz
pediu-lhe licença a fim de sentar-se em sua mesa na lanchonete da faculdade.
Usava uma camisa com estampa paisley, e o rosto redondo e simpático
tirou um sorriso polido dela.
Ela não deu muita atenção a ele, a princípio. Mas ele insistiu em roubar-lhe
algumas palavras. Contou à ela que terminava seu curso de Engenharia e então
começaria Arquitetura, sua verdadeira paixão. Contou-lhe tudo sobre sua vida
acadêmica, e ela apenas ouvia, um pouco intimidada com todo o seu
desprendimento em compartilhar tantos detalhes importantes de sua vida a uma
desconhecida, fazendo-a sentir-se sua confidente.
Seu jeito de ser causou-lhe ao mesmo tempo estranheza e encantamento.
Estar ao lado dele e poder compartilhar de fragmentos de sua vida dava-lhe uma
sensação de intimidade que não tivera antes com mais ninguém. Sua liberdade a
encantava, e ao mesmo tempo, amedrontava. E mesmo que não fosse esta sua
intenção, sentia-se desafiada por ele. Desassossegada. Sua resposta aqueles
sentimentos foi uma mistura de ofensa e raiva que a fizeram evitá-lo.
Mas ele não desistia. Aparecia nos corredores da biblioteca quando
estava escolhendo livros. Na lanchonete. Quando ela trocava de sala de aula,
ele ‘coincidentemente’ estava passando. E geralmente seu surgimento a fazia
sorrir intimamente.
Com o passar do tempo, percebeu que no fundo, tinha medo de não
encontrar a força interior necessária para romper com os laços que a prendiam,
se realmente quisesse ser livre. Ele queria que ela tivesse asas como ele, mas
seus pés eram pesados como chumbo.
Benjamin passou a incentivá-la a falar de si mesma e ela ficou um pouco
envergonhada, ao perceber, que na verdade, tinha pouco dela para contar e muito
do pai. Os desejos dele eram os dela. Não sabia exatamente do que gostava ou o
que queria. Até mesmo, o que comiam em casa era escolha do pai ou da avó. Seu
desejo era estudar Direito, mas fazia o Curso de Letras, pois o pai achava mais
adequado para uma mulher.
Os encontros fortuitos, se tornaram encontros marcados e pela primeira
vez, gostou de algo, sem a sugestão ou ingerência de outra pessoa. Pela
primeira vez escolheu sem que outro alguém apontasse o dedo, indicando-lhe o
caminho. Sua alma quis Benjamin. Ela o amava. E decidiu não baixar mais a
cabeça à vontade violenta do pai.
Quando Edwina descobriu, não procurou conversar, foi até o filho e
contou que Clara estava vendo um rapaz que havia conhecido na Universidade, e
que não conheciam sua família. Dr. Otho ficou enfurecido. Após o primeiro
confronto com Benjamin, o pai de Clara percebeu que não estava lidando com um
de seus capachos e mandou investigá-lo. Sua descoberta o deixou enfurecido. ‘Um
vermezinho queria infiltrar-se em sua casa e contaminar o sangue de sua família.
Não mesmo!’
Tomou providencias. Impediu a filha de voltar à Universidade.
Se saía de casa, era com Melissa ou com o motorista, que tinham que dar
conta de todos os seu passos. Foi limitada e contrita de todos os lados.
Mas o amor que tinham um pelo outro cresceu ainda mais. Num ato
despótico, numa tentativa de subjugá-la o pai a surrou. E ao fazê-lo, acabou
rompendo de vez com o último vínculo que tinha com a filha: o
medo. Ela compreendeu que faria qualquer coisa para sair daquela
esfera opressora para estar ao lado do homem que amava. Passava os dias
imaginando uma forma de fugir de sua casa. Edwina a mantinha praticamente
encarcerada e para seu desespero o pai já havia entrado em contato com homem
com quem planejava casá-la, e ele estava chegando ao Brasil para oficializar a
união. Sem preparativos, sem cerimônias. Sem amor.
Após duas semanas sem ver o namorado, teve medo que seus sentimentos por
ela tivessem arrefecido. Ele poderia acreditar que ela havia aceitado a
disciplina e decisão do pai, e ela não tinha ninguém em quem confiar que
fizesse de ponte entre ela e Benjamin.
Em uma noite tempestuosa, Obedina foi ao quarto de Clara com a permissão
da avó e levou-lhe um chá. Sabia como trovões e relâmpagos perturbavam Clara e
o líquido quente a confortaria. Ficaram um tempo, apenas olhando uma para a
outra, enquanto a moça abatida bebericava o líquido quente.
—Por que não aceita o desejo de seu pai? Isso aplacaria sua ira. Se
mostre como a Clara que sempre foi. É para seu bem.
—Aquela Clara morreu.
A mulher virou o olhar aflita. Clara não era páreo para o pai. E as
coisas poderiam piorar ainda mais. Ele a veria morta antes de vê-la com
Benjamin.
Obedina levantou-se, pegou a xícara de suas mãos e beijou-lhe a testa.
Apagou a luz do quarto e saiu, deixando uma Clara perdida em pensamentos de
impotência.
Mesmo com a cortina e janelas fechadas o quarto se iluminava com os
relâmpagos. Num medo infantil ela cobriu a cabeça, e censurou sua fraqueza.
Como encontraria uma saída se ainda tinha medo de relâmpagos.
Um trovão estrondou tão bravamente que ela sentiu como se toda a casa
tremesse. Precisava que Obedina voltasse. Bateria na porta até que alguém da
casa viesse vê-la. Descobriu a cabeça no mesmo instante em que um clarão
elétrico iluminou o quarto e uma figura fantasmagórica ao lado de sua cama.
Tudo foi muito rápido. Uma mão molhada e fria cobriu sua boca
impedindo-a de gritar e gotas de água pingavam sobre sua face morna, dando-lhe
a impressão que a tempestade havia entrado em seu quarto. Só percebeu de quem
se tratava quando ouviu a voz baixa e grave:
—Você ainda me quer? Sim ou não? Se não, nunca mais te procuro.
Benjamin.
Ela fechou os olhos em alívio. Quando os abriu o rosto dele estava
diante do dela, apreensivo. Inseguro. Lentamente ele removeu a mão de sua boca.
—E se sim? — ela perguntou em um sussurro.
—Vamos fugir? Casa comigo?
Ela sorriu das duas perguntas dominadas pela pressa e agonia.
—Fujo e caso.
Ele beijou-a e ela descobriu que havia encontrado a força para ser
livre. A tempestade havia irrompido em seu quarto através da janela e inundou
todo o quarto de Clara com glória.
Aquele dia jamais desapareceria de sua memória.
Benjamin entrou em uma rua bastante arborizada e parou o carro diante da
casa mais adorável que ela já tinha visto em sua vida. O dia estava ensolarado
e combinava com seu estado de espírito.
—Esta? Vamos morar aqui?
Ele olhou para ela um pouco preocupado.
—Eu sei que é um pouco modesta para o que está acostumada mas...
Ela colocou os dedos sobre os lábios dele e impediu-o de prosseguir.
—Eu amei! Ela é linda!
—Jura?
—Juro.
Ele saiu do carro e correu até o outro lado para abrir a porta para ela.
—Espera aqui. Não se mexe.
Foi até o portão, abriu-o e voltou, tomando-a nos braços.
Diante da porta ele a colocou no chão e tateou pelas chaves no bolso. A
chave única estava pendurada em uma fita azul de cetim que ele balançou diante
dela, fazendo-a sorrir. Ela pegou a chave de suas mãos e abriu a porta. Entrou
antes dele, curiosa com o que ia encontrar. A sala era espaçosa. Bastante
iluminada e com um clima bem diferente do de sua casa.
Ela voltou-se para a porta e o viu lá, em pé olhando-a com um sorriso
enigmático. Ela voltou e tomou sua mão.
—Pode entrar!
—Obrigada!
Haviam três quartos ao longo de um corredor onde passava uma corrente de
ar agradável, que ela não soube precisar naquele momento por onde entrava, mas
que a fez batizá-lo de corredor dos ventos. A cozinha tinha uma
janela que dava para um quintal enorme, onde ela imaginou um jardim.
—É perfeita!
—Também achei — ele disse. —Depois de nosso quarto filho, veremos o que
fazer.
Ela sorriu.
—Calma! Precisamos providenciar o primeiro. Ou primeira.
—Concordo com você.
Benjamin se aproximou dela com cara de distraído, acariciou seus cabelos
e perguntou com cara de inocente:
—Podemos começar logo?
—Claro, assim que você fechar a porta da frente. Ah... o carro também
ficou aberto.