parte 1
Uma mentira desfeita pode ser
libertador. Ou enlouquecedor.
As cordas da fraude que controlam
o fantoche são cortadas e o deixam sem vida. O louco abandona a batuta, sai de
cena e expõe o signo e o toque da orquestra que ecoava, tão insana e
harmoniosamente bem, um desconcerto sob sua regência e cuja tormenta só desinquietava os
ouvidos mais sensíveis.
O tapete sacudido de debaixo de
seus pés revelavam o esgoto onde pisava.
A fúria selvagem da verdade consumia
a mentira que João vivia. Havia pressentido algo. Talvez soubesse, mas não
acreditara na verdade. E sim na mentira.
Tinha avançado todos os passos
que conseguiu, mas não alcançou o jardim. Parou no meio do caminho e ficou ali
paralisado pelas lembranças, temendo seu papel naquela história sórdida. Queria encontrar forças para levantar-se do
chão e ir embora. Mas permaneceu esquivo e ouviu um encontro. Reconhecimento. E
acabou por lembrar-se mais de si do que desejava.
****
—Eu abri o portão —João ouviu a voz
envelhecida de Obedina. —Eu abri o portão e fui testemunha da fuga deles pela noite.
Não me arrependi. Nem quando vi sua mãe fechar os olhos para este mundo. Benjamin
deu a ela algo que jamais conheceria se não fosse por ele.
Obedina estava sentada no banco de
pedras e Ana no degrau que levava a cozinha da casa. A cabeça entre as mãos.
Acreditara que se soubesse toda a verdade se sentiria completa, não roubada. O
coração estava pesado. Mas seus olhos mantinham-se secos. Era absolutamente
incompreensível para ela como um ser humano sentia-se no direito de destruir o
outro. Queria entender como pessoas se agrupavam e conspiravam para tirar a luz
dos olhos de alguém que nunca lhes fizera mal. Seu pai apenas amara sua mãe,
nada mais.
—Onde está ele, agora? O assassino de
meu pai?
—Seu avô? — perguntou Obedina.
Ana levantou-se exasperada. Não queria
pensar naquele homem como parente seu. Sua cabeça começou a doer.
—Ele morreu, Ana. Sua bisavó também. Mas
ele foi primeiro. Três anos após a morte
de Clara, ele foi acometido por um câncer terrível. O poderoso Otho Braun
definhou aos poucos. Tornou-se tão vulnerável diante da enfermidade. Em seus
últimos dias vi algo em seu olhar que jamais imaginei que iria presenciar:
medo.
Não comentou com Ana que ele nunca se arrependeu de seu crime ou
demonstrou qualquer remorso pela morte da filha. Simplesmente não falou
mais em seu nome. Era como se ela não houvesse existido. Obedina ficou
responsável por seu funeral. Nenhum dos conhecidos da família compareceu.
—Sua bisavó faleceu um ano depois. Andava pela casa no meio da noite. Não dormia. Era
uma mulher bastante atormentada. Uma manhã encontrei-a na biblioteca
desacordada. O médico disse que foi um enfarto.
Ana olhou compadecida para Obedina. Uma
mulher que havia carregado o peso de tantas vidas — belas e feias. Pareceu-lhe cansada
pelo que havia visto e vivido.
—Foi você quem cuidou do jardim de meus
pais?
Ela acenou com a cabeça.
Por muitos anos a casa havia ficado completamente
abandonada. Passou alguns anos longe da cidade. Foi viver um tempo com sua família.
Precisava sossegar o coração. Depois de dez anos afastada, voltou e passou a
cuidar do jardim. Gostava de imaginar Clara em seus dias felizes. Era tão tênue
antes de Benjamin e tornou-se tão vibrante com ele. O pai de Clara o odiara por
cada sorriso que havia provocado nela, pela alegria que a filha passou a
transbordar, pelo brilho, pelo olhar perdido em sonhos, pela resistência e por
aprender a viver sem a ingerência brutal dele. Acima de tudo, Benjamin apagou
cada impressão de Otho Braun em Clara. Ele não se via mais na filha.
—Obedina, por que você nunca foi me
visitar?
Ela olhou para Ana. Tão parecida com a
mãe. Poderia até mesmo dizer que estava diante de Clara, ainda que a filha tivesse
algo que faltava à mãe, e que talvez tivesse herdado do pai. Uma dureza
necessária para sobreviver diante do caos. Clara mudou após conhecer Benjamin.
De um frágil bibelô tornou-se uma moça determinada a largar o luxo e romper com
a dominação paterna para viver algo que nunca experimentara na vida, amor. Mas
nem de longe fora o que Ana havia se tornado, uma mulher capaz de ficar em pé
sozinha. Porém, Clara teve seus elementos e Ana tinha os dela.
—Me
perdoe, Ana. Mas o orfanato tinha regras, e não podia burlá-las. Foi a
exigência que me fizeram para manter nosso segredo. Eu a visitei nos primeiros
anos, quando Dr. Otho ainda estava vivo, ainda que com muito medo que ele
descobrisse algo sobre você. Nunca compreendi porque não foi adotada em seus
primeiros anos de vida. Isso não era natural. Você era um bebê lindo e
saudável. Todos, no orfanato, acreditavam que você seria adotada por uma boa
família logo. A última vez que a vi, tinha cinco anos, mas nem mesmo assim
perdemos a esperança. Nesta época você não imaginava quem eu era. Depois, eu
saí da cidade e fui morar com uns parentes durante um tempo. Quando voltei,
soube que você ainda estava no orfanato, mas logo o deixaria. Mesmo indo de
encontro ao regulamento, deixei o endereço da casa com a Madre — suspirou— acreditava
que ela poderia, quem sabe, por um toque da providência entregá-lo a você. No
fundo eu sabia que este dia chegaria. Mas tinha que ser o momento certo.
—Eu sempre quis saber quem eram meus
pais. Daria tudo no mundo para poder vê-los ou tocá-los.
O dia escurecia. Ana viu a primeira
estrela surgir no céu. Precisava ir. Descobriu que Obedina morava a duas
quadras dali. E que quase todos os dias estava na casa. Por puro acaso não se
encontraram antes.
—Acredito que esteja na hora de mudar
minha rotina — ela disse e enfiou a mão no bolso, removendo de lá uma chave que estendeu para Ana e que estava amarrada a uma fina fita de cetim azul. Um pouco amarelada nas
bordas, mas era azul.
Ana pegou a chave e ficou olhando.
—Não que abrir a casa? Olhá-la por
dentro? Conservei-a do mesmo jeito que seus pais a deixaram.
O coração de Ana falhou uma batida.
—Hoje não. Preciso me preparar para
isso.
—Eu entendo.
Ana olhou para a mulher que demonstrou lealdade inabalável à história de seus pais, tomou sua mão e beijou-a, pegando Obedina de surpresa.
—Obrigada. Muito obrigada por tudo o que
fez por nós.
—Só cumpri minha missão.
Começaram a caminhar em direção à frente
da casa e Ana perguntou:
—O que aconteceu à mulher que levou meu
pai até o Dr. Otho? Será que ela ainda vive na cidade?
Obedina suspirou.
—Sim, Ana. Mas é melhor esquecê-la.
Ana olhou nos olhos da mulher de forma
questionadora.
—Esquecer? Não... ela foi responsável
pela morte de meu pai assim como meu avô. Ela o levou para uma armadilha. Eu
não entendo porque as pessoas desta cidade até hoje mantém esta história como
um segredo a ser guardado. O todo-poderoso Otho Braun morreu. De que tem medo?
—Do mito, talvez. Passaram anos caladas
e à medida que o tempo foi passando a verdade não importou mais. Mas não é
apenas isso, Clara. Há pessoas inocentes envolvidas.
—Não existem inocentes em uma
conspiração de assassinato. E no final, a verdade é sempre o melhor remédio.
—A verdade sim, mas cuidado com a
vingança. Ela pode machucar a você também.
—O que eu tinha de ser machucada, já
fui. Eu vou gritar aos quatro cantos desse mundo a verdade. Dizer quem matou
meu pai e quem se beneficiou. Não vou me calar.
Obedina olhou-a preocupada.
Chegaram ao portão e o fecharam atrás de
si.
João estava oculto nas sombras da casa.
Quis saber qual o primeiro passo a dar em sua nova realidade, mas só conseguia sentir
dor, frustração e raiva. Perdera a vida que acreditava ter e com ela. Ana se
foi.
****
João abriu a porta de sua casa.
O pai e a mãe estavam em casa. Eduarda e
seus pais os visitavam. A namorada abriu um sorriso ao vê-lo, mas este logo
morreu em seus lábios ao perceber o estado de atordoamento em que se
encontrava.
—Nós o esperávamos para jantar, João.
Esqueceu que tínhamos visita hoje?
Ele não respondeu, apenas a encarou.
Havia algo em seu olhar que a deixou muda.
—João, não vai cumprimentar Eduarda? —perguntou
o pai com sua habitual gentileza.
Ele continuava diante da mãe. Os lábios
crispados e as mãos cerradas. Então, num acesso de fúria ele rompeu a tensão
que estava sobre ele, agarrando um jarro da mãe e estilhaçando-o contra o
espelho da sala.
Melissa colocou as mãos sobre a boca.
—O que é isso, João? — o pai pulou da
cadeira e ficou entre ele e Melissa. —Filho, por que fez isso?
Melissa começou a chorar diante do
pequeno grupo que os olhavam chocados.
—Foi com o dinheiro sujo de sangue que
Otho Braun te deu que comprou todas essas coisas finas? — gritou descontrolado.
Ela se afastou dele e deu-lhe as costas.
—Calma, João — o pai tentou contê-lo,
mas ele se afastou do pai e foi em direção à mãe.
— Nunca existiu nenhum Benjamin, não é
mesmo? Eu o inventei, não foi? Você pretendia o quê? Me enlouquecer? - perguntou descontrolado.
Ela se virou para ele com os olhos
cheios de lágrimas.
—Eu queria te proteger, meu filho.
—Não! Não vem com esta história. Chega
de suas mentiras.
Ao perceberem a seriedade do confronto
no meio do qual foram pegos, Eduarda e os pais levantaram-se e despediram-se do
pai de João.
—Qual é o nome que se dá ao que você
fez? Me diz. Cúmplice de assassinato?
—Não é isso...você está exagerando...
não foi assim.
—Chega, Melissa — o marido falou. — Está
na hora de falar a verdade para ele. Que ele realmente presenciou um
assassinato!
João caiu sentado na poltrona e escondeu
o rosto nas mãos.
—O que você queria? Que eu dissesse a
uma criança de cinco anos que ele havia sido testemunha de assassinato? Não. Ninguém
faria isso em meu lugar. Ninguém. Você mesmo — apontou para o marido —,
concordou comigo que o melhor era ficarmos calados. Agora não tente se esquivar
da responsabilidade.
— E por que não entregou o assassino
para a polícia? — perguntou João desolado querendo encontrar uma razão para a
mãe ter se calado diante daquele mau.
Melissa riu histericamente.
—Otho era o dono da polícia! Ele era
dono de tudo! Era o imperador desta cidade. Ah, meu filho você não sabe o que é
maldade se não conheceu Otho Braun.
—Eu o conheci.
—Eu sabia... — ela murmurou. —Quando vi
você conversando com aquela moça na praça, senti que havia algo de errado com
ela... ela...só pode ter sido Obedina que mentiu para todos nós, todos esses
anos.
João não podia conceber com o que estava
ouvindo. Sua mãe via tudo tão distorcido, que por um instante temeu que não
houvesse cura para seu mau.
—Por que se aproximou de Otho Braun se
ele era pura maldade? Por que não foi embora? Por que se envolveu ao ponto de
atrair tio Benjamin para a morte?
—Tio Benjamin? — Melissa debochou. — Por
que eu me aproximei de Otho Braun? — ela bufou na cara dele. —Por que Benjamin
se aproximou de Clara Braun? Por que não faz essa pergunta? Você era uma
criança. Benjamin se aproximou de Clara por puro interesse! Porque ela era
filha de um homem poderoso e influente.
—Não. Você é assim. Não ele. Ele a
amava. Mas você nunca vai entender isso.
Ele abandonou a sala e subiu as escadas
deixando os pais a sós.
Se olharam, mas não haviam palavras
entre eles. Qualquer ponte de conexão havia desaparecido anos antes.
Ele se dirigiu à cristaleira, removeu uma garrafa de scotch de lá e pegou um copo.
—Vai querer um drinque, Melissa? Acho
que vai precisar — o tom irônico não lhe passou despercebido.
Ela cruzou os braços e quando ouviu que
João descia as escadas aproximou-se. Ele carregava uma mala pequena. Voltou-se para o marido em desespero e pediu.
—Faça alguma coisa, ele que ir embora.
—Não. Eu já estou indo embora. — corrigiu-a João e sem se despedir
atravessou a porta da frente.
Melissa o seguiu e enquanto ele colocava
a mala no carro ela segurou o braço dele.
—Não faça isso!
Ele se desvencilhou dela e entrou no
veículo. Deu partida no carro, sem mesmo olhar através da janela para a mãe em
uma despedida e foi embora.
Ela permaneceu um tempo do lado de fora
da casa, sentindo o frio da noite em seu rosto, depois voltou-se para entrar em
casa. Ele voltaria. Quando subia as
escadas, viu o marido descendo. Sua mala, sempre pronta para suas frequentes viagens,
estava em sua mão. Ela enrugou a testa.
—Onde vai?
—João tem razão. Não há mais necessidade
de vivermos uma mentira. Depois, envio alguém para pegar o resto de minhas
coisas.
****
O Professor Mauro ainda tinha o olhar
incrédulo. O relato de Ana parecia surreal. Sempre imaginara que Clara havia
dado à luz a um bebê morto. Foram tantos os rumores naquela época, mas a única
verdade era impronunciável. Nem os loucos se arriscavam. Nem mesmo foram
engendrados poemas com versos camuflados sobre o amor de Clara e Benjamin. Ele havia
tentado manter a arte de Ben viva como uma homenagem e celebração ao que ele
havia sido e criado. Quando aquela jovem chegara em sua sala interessada nos
vitrais de seu amigo ficara emocionado, mas agora que ela revelava que era a
parte não contada daquela história, estava estarrecido.
—Sabe... — ele começou, mas sua voz
embargou. Abriu a gaveta e retirou de lá uma caixa de lenços descartáveis.
Colocou um deles sobre o rosto para conter as emoções.
Mais controlado disse à ela:
—Ele era meu amigo. Era simplesmente alucinado
por sua mãe... Quando faleceu esse Campus ficou de luto. Puxa, como não
imaginei que estava diante da filha de Benjamin.
Ana contou a ele sobre os vitrais que
haviam nos jardins da casa e que um deles estava avariado. Também
confidenciou-lhe que buscava um modo de expor a história dos pais. Queria que
fosse um caso solucionado e não um crime que as pessoas esquecessem sem que a
justiça tivesse sido feita. E a justiça naquele caso era expor o culpado, ainda
que estivesse morto, ainda que não tivesse havido julgamento humano, testemunha
ou veredito, acreditava que havia necessidade de um reconhecimento da verdade.
Era o mínimo de reparação que seus pais mereciam.
—Vou te ajudar. E também vou à sua casa
para dar uma olhada nos vitrais.
Sua casa.
Ela agora tinha uma casa. Aquilo era
paradoxalmente reconfortante. Era uma casa ausente de família, mas ainda assim
estava cheia de recordações. Boas. Sentia-se forte para abrir a porta e entrar.
****
Sentia-se desconcertada diante daquela
casa. Sombria. Em estilo gótico, era altiva. As janelas pareciam olhos
sinistros observando-a. Talvez, fossem como sua dona. Já havia passado algumas
vezes diante dela, mas não imaginava o quanto estava conectada àquele lugar
desconsolador.
O portão estava trancado e ela tocou a
campainha. Olhou a rua deserta. Ninguém se aproximava. Acreditou ter visto uma
pessoa a espiando da janela. A porta da frente abriu-se. Uma moça, que parecia
empregada da casa aproximou-se.
—O que deseja?
—Falar com Melissa Monteiro.
—Dona Melissa?
—Sim.
—Um momento, por favor — deu-lhe as costas e foi saindo, mas Ana a impediu.
—Um momento, por favor — deu-lhe as costas e foi saindo, mas Ana a impediu.
—Espere... ela já está me esperando.
Abra o portão — exigiu autoritária.
A moça pareceu indecisa.
—Posso te garantir que ela está me
esperando. Abra.
Ela fez como Ana a mandou e caminharam juntas
através da aleia de arbustos. Entraram no hall da mansão e ela pediu que Ana
sentasse. O luxo estava em cada canto da
casa. Mas era opressor. Uma súbita sensação de que era observada fez com que
Ana se virasse. Então, ela a viu. E lhe era familiar. Impossível não
reconhecê-la. Chocou-se com a descoberta. A mulher também não estava tranquila
diante dela.
—O que faz em minha casa?
Ana se recompôs, pensaria depois, nos
desdobramentos daquela nova descoberta.
—Não imagina o que vim fazer em sua
casa, Dona Melissa?
—Nem mesmo a conheço. Vou chamar meu
motorista para colocá-la para fora.
—Me conhece sim. Para que fingir. Desde
a primeira vez que me viu soube quem eu era, ou ao menos suspeitou. Mas
deixe-me apenas confirmar suas suspeitas: sou a filha de sua ‘amiga’. A que
você traiu. Sou a filha do homem que você atraiu para a morte — Ana a olhou
agressiva. — Que maldita influência Otho Braun tinha sobre você para que tenha
cometido algo tão repulsivo? Dinheiro? Poder? Foi por isso que você se vendeu?
Melissa estreitou o olhar. E numa voz
vagarosa e profunda devolveu.
—Realmente era uma maldita influência
que a sua família tinha sobre mim e os meus — Melissa aproximou-se dela —Até
hoje. Vocês são insidiosos. Seu avô destruiu a vida de muita gente, Benjamin
foi só mais um. A desgraça dele foi conhecer Clara Braun. Como a de meu filho
foi conhecer você — o sopro gélido sobre sua alma causou-lhe arrepios. —
Atraí-lo fez parte de um plano maligno para me atingir? É mais uma manifestação
do poder perverso dos Braun, que destrói a tudo quanto toca?
As palavras de Melissa abalaram Ana e ela
teve dificuldade de reencontrar seu raciocínio.
—Dr. Otho tinha uma forma invulgar de se
infiltrar na vida das pessoas, encantava com seu poder e depois as aprisionava.
Sufocava devagar, como uma cobra que se enrosca em você e vai te espremendo.
Não permitia que ninguém respirasse quando estava próximo. Você puxou a seu avó.
Ardilosa, veio à minha casa, sem meu convite. Mentiu com o intuito de invadi-la.
Quer se impor sobre mim, pois já o fez a meu filho, envolvendo-o nesta sua teia
macabra. Colocou-o contra mim. Ele não sabe lidar com os Braun, mas eu sei.
Ana sentiu como se as trevas que envolviam aquela casa estivessem se infiltrando por seus poros. Sentia-se desarranjada. Sua respiração
estava presa. Não encontrava ar.
—Você nunca imaginou, não é mesmo? Não
sobrou ninguém de sua família para te contar, mas eu farei isso para você. Você é
a neta de seu avô — olhou bem dentro dos olhos perturbados de Ana. — Você é o
retorno daquele velho maligno.
Um soco em seu rosto não surtiria um
efeito pior em Ana que aquelas palavras. Fechou os olhos, numa tentativa de
suportar aquele horror.
—Você é Ana Braun! Tão pérfida quanto
seu avô!
—É mentira, Ana.
Uma voz masculina soou por trás dela, rompendo
com os transe no qual se encontrava, e trazendo-a de volta do pesadelo onde
havia mergulhado. Sua mãos suavam. Seus pés não conseguiam dar nenhum passo e o
que mais queria era ir embora daquele lugar.
—Você voltou para casa mais rápido do
que eu imaginava, meu filho — Melissa falou em tom de deboche. — Mas eu não estou
revelando nenhum mentira, você não o conhecia como eu, querido. Eu reconheci
Otho nela assim que a vi. Sangue é um legado inevitável — apontou calma, ignorando
o ímpeto do filho ao intrometer-se na conversa.
—Pare com isso!
João se aproximou de Ana e ficou diante
dela.
—Você se parece com Clara, Ana. Com
exceção de seus olhos — a voz dele era morna. —Você tem o olhar de seu pai.
Benjamin. Eu os conheci. Você não tem nada de Otho Braun. Clara não tinha nada
do pai. E foi por isso que quando encontrou alguém com coragem para livrá-la
das garras dele, não hesitou. Infelizmente, eu tive que permanecer sob seu
domínio por tempo demais.
Olhou para a mãe magoado.
Ana respirou fundo e finalmente
conseguiu sair da paralisia em que se encontrava. Angustiada procurou a porta
de saída e dirigiu-se até lá. Abriu-a, saiu e correu até o portão, mas para seu
desespero ele estava fechado. Nem quando estava no orfanato sentira-se tão
desnorteada. Talvez precisasse chamar a empregada, virou-se e viu João. Sério, ele
não disse nada, apenas abriu o portão para ela.
Ana saiu e não olhou para ele. Não
queria que visse o quanto estava assustada com o que havia acabado de
experimentar. Andou rapidamente pela calçada sem olhar para trás até sair
daquela rua. Queria estar longe daquela casa. Daquela influência.
₢Gardenia Yud
OBS: Para aqueles que desejarem ler, todo o conto ' A CASA ' já encontra-se neste blog.
₢Gardenia Yud
OBS: Para aqueles que desejarem ler, todo o conto ' A CASA ' já encontra-se neste blog.
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