parte 2
A luz atingiu o espelho e refletiu sobre
seus olhos.
Sua imagem foi a primeira coisa que viu ao abrir a porta da casa. O
espelho estava pendurado na parede oposta da sala. Deu passos ansiosos dentro daquele
universo preservado pelas mãos de Obedina. Gracioso. Foi a palavra que surgiu
em sua mente. Simples e graciosa. Naquele espaço os pais haviam construído sua
história de amor e que ainda perdurava. Imortal.
O que é bom sobrevive. Rompe as
fronteiras do tempo. Exala e se apega a pele. Assim como o mal. A luta é
constante e ferrenha.
O tecido verde adamascado decorado com
anêmonas do sofá de dois lugares já demonstrava esmaecimento. Mas os sinais do
tempo haviam proporcionado um efeito harmônico e interessante.
Num canto da parede havia um aparador de
madeira escura e sobre ele uma única fotografia em preto e branco. Um casal
sorridente. Ele a abraçava com as duas mãos pousadas sobre seu ventre.
No centro da parede oposta um
toca-discos vintage servia também de
ornamentação. Ajoelhou-se diante dele e abriu a portinhola de madeira sob o
aparelho encontrando alguns discos enfileirados. Sorriu. Aquela era uma casa que
gostava de música. Seus dedos puxaram o primeiro que tocou.
A curiosidade a impeliu a olhar por trás
do aparelho onde ela encontrou o fio pendurado. Adaptou o plug à tomada e ligou o
aparelho. Removeu o disco de sua capa e colocou para tocar. Uma música de
Bernie Taupin e Elton John. Seu peito inflou ao som da canção. A letra era
simples e marcante. Deixou a agulha percorrendo as trilhas do vinil, se
levantou e continuou em sua viagem exploratória.
Caminhou até o corredor. Imediatamente
foi atingida por uma brisa que não soube de onde se originava. Instintivamente
dirigiu-se ao quarto no fim do corredor. Nele, uma janela basculante iluminava
o ambiente. Havia uma cama de casal coberta por uma colcha de renda branca, uma
cômoda a seu lado e uma penteadeira recostada à parede, de frente para o leito.
Moveu-se lentamente até a penteadeira
constituída de três espelhos articulados bisotê, sentou-se no banquinho sem
encosto e viu sobre o móvel uma escova de cabelos e um porta joias de madeira.
Ia abrir a caixa mas algo na escova chamou-lhe atenção. Ela tomou-a e viu
alguns fios claros presos nas cerdas. Tocou com reverência, temendo que depois
de tantos anos de persistência a evidência material se desintegrasse ao seu
contato. Olhou-se no espelho e percebeu com um senso de identidade que a cor
dos fios eram semelhantes ao seu.
Ergueu-se e foi à cômoda. Abriu a
primeira gaveta. Um pequeno ramo florido seco estava sobre uma pilha de roupas
amareladas. Ela tocou os tecidos. A maioria de algodão. As outras gavetas
estavam vazias.
No quarto contíguo, viu três colunas de
livros de mais ou menos um metro cada, dispostos ao lado de uma escrivaninha.
Em uma caixa, diversos canudos de papel testificavam sobre a natureza do
trabalho realizado por seu pai. Tomou o livro que estava no topo da primeira
coluna. Havia uma grossa camada de poeira sobre ele. Leu seu título.
Modigliani. A maioria dos livros versavam sobre arte, arquitetura ou engenharia.
Um pequeno tesouro de conhecimento.
Se dirigiu ao primeiro e último quarto.
Abriu a porta e viu o berço diante de um janela alta por onde entrava uma
réstia dourada que iluminava a poeira suspensa no ar. Era o seu quarto.
Caminhou devagar e com cuidado, como se não quisesse acordar o bebê, mas seu pé
deslocou um taco de madeira solto. Ela o empurrou para o lugar com o pé. Então
aproximou-se do pequeno ninho e tocou a estrutura de madeira onde ela teria
dormido, se os eventos tivessem sido diferentes. Queria ter o poder de ouvir as palavras
que haviam sido pronunciadas ali. Se aquelas paredes pudessem falar. Queria poder captar os sentimentos que haviam circulado aqueles ares.
Voltou a
sala e percebeu que havia deixado a porta da frente aberta. Quando estava para
fechá-la, percebeu que havia um aglomerado de pessoas diante do portão.
Certamente haviam sido atraídas pela música da casa abandonada. A casa ferida.
E como havia lhe dito a primeira pessoa com quem havia entrado em contato naquela rua: amaldiçoada.
Ana a viu. Lá estava ela. A mulher de vinho. Em meio as outras
pessoas, que provavelmente questionavam o que estava se passando dentro da
casa, a encarava com seus olhos curiosos e reprovadores. Fez o sinal da cruz,
como se tivesse visto uma assombração, uma imagem sinistra. Ana não entendeu
seu intento, mas sorriu. A mulher havia lhe mentido. Sua casa não era
amaldiçoada. Ali vivia o amor. Fechou a porta e foi até a cozinha.
Era acolhedora como todo o resto. Sobre
o fogão de ágata branco havia uma chaleira de ferro. Uma mesa redonda e um armário
pequeno. O que era particularmente inusitado e dava um toque especial à cozinha
era a grande janela que dava para o jardim dando a impressão de ser um
quadro colorido e poético invadindo o ambiente.
Havia um interruptor na parede e ela
imaginou que seria da luz que iluminava os jardins à noite. Pressionou-o mas
não funcionou. Ela abriu a porta e viu a lanterna dos jardins sem nenhum bulbo.
O céu vespertino rosado já dava sinais de que a noite se aproximava. Naquele
dia passaria a noite ali. A primeira de muitas.
****
O dano não havia sido tão complexo
quanto Ana havia imaginado. O Professor Mauro havia se responsabilizado pelo
vitral. O coração trespassado agora encontrava-se íntegro. Eles haviam feito
fotos de cada um deles e elas seriam impressas em um artigo da revista da
Universidade sobre o trabalho de Benjamin.
****
—Eu compreendo seus sentimentos, Ana —
declarou o delegado — mas nós não temos um caso. Os principais envolvidos estão
mortos. Não há testemunhas para que você acuse seu avô de assassinato. Isso não
passa de invenção de uma empregada idosa que talvez tenha guardado algum rancor
de seu avô.
Ana ficou indignada.
—Não é um caso de sentimentos, e sim de
justiça.
—Não há evidência alguma.
—Com todo o respeito, eu o pergunto, o
crime de meu pai foi investigado como deveria? Vocês não encontraram nada?
Buscaram testemunhas? Ou apenas deixaram passar impunemente? Interrogaram Otho
Braun?
O delegado recostou-se na cadeira,
cruzou as mãos diante da barriga e olhou-a irônico.
—Ele não estava na cidade no dia em que
o crime ocorreu.
—Então, vocês chegaram a cogitar a
possibilidade de ele estar envolvido.
Ele suspirou.
—Na verdade, não. Você sabe, as pessoas
comentam sem provas e foi apenas uma curiosidade pessoal. Seu avô nunca foi um
suspeito.
Ana sentiu-se indo de encontro a um
muro. Incapaz.
—Testemunhas?
—Nenhuma.
—Arma do crime. Vocês a encontraram?
Ele se mexeu na cadeira.
—Escute bem, moça. Sabemos realizar
nosso trabalho. Me solidarizo com você, mas para que entenda o cenário. A bala
transfixou o peito dele e jamais foi encontrada. Infelizmente não sabemos quem
foi o autor do crime contra Benjamin.
Ana levantou-se da cadeira e saiu da
delegacia com raiva.
****
—Não
é o suficiente para você saber da verdade, e que de certa forma, seu avô pagou
por seu crime? — perguntou Obedina preocupada.
—Não. Não é. Eu gostaria que saísse na
primeira página do jornal que foi ele quem matou meu pai.
—Você foi até a casa de Melissa?
Ana cruzou os braços. E acenou com a
cabeça. Tinha evitado pensar na estranheza daquele dia. Não saberia jamais expressar os sentimentos
sombrios que haviam se apossado dela. A cobra havia mordido antes de ser
encantada. Tudo havia sido surreal, incluindo sua descoberta de que João era
filho daquela mulher. Havia empurrado a experiência para um canto de sua mente.
Se fosse racionalizar, enlouqueceria. Por que de todos os homens daquela
cidade, havia se envolvido justo com o filho de Melissa?
—Como minha mãe pode se tornar amiga
dela? Ela é tóxica.
Outra pergunta surgiu em sua mente. Como João havia sobrevivido àquela mulher?
Ela exalava um controle quase sufocante.
Obedina olhava para as mãos em seu colo.
—Clara vivia rodeada das pessoas que seu
pai lhe permitia. Sua vida era como a de um pássaro engaiolado.
Ana imaginava a felicidade que sua mãe
vivera naquela casa com seu pai. Cada minuto deve ter sido precioso.
Então, mudando de assunto, perguntou
para Obedina.
—Gostaria de vir morar aqui comigo? Esta
casa é grande demais para mim.
A mulher sorriu.
—Me parece uma boa ideia. Mas você
realmente quer uma velha morando com você?
Ana olhou para ela com gratidão.
—Você é minha família, Obedina. Olhe,
amanhã te ajudo a trazer suas coisas, está bem?
—Está bem. Vamos recomeçar.
****
Ana passava todas as horas vagas de seu
dia diante dos vitrais do pai. Quando escurecia ela acendia a luz do jardim e
ficava ali. Quando Obedina a deixou, pegou um livro de Direito e foi sentar-se
no banco de pedra. Não conseguiu concentrar-se. Ia entrar quando ouviu passos. Não
eram os de Obedina, teve certeza.
O som se aproximava e ela ficou entre
correr e fechar a porta da cozinha ou confrontar o intruso. Quando subia o
degrau da cozinha viu João surgir. Seus olhos arregalaram-se e ela ficou muda
por um instante. Quis perguntar como ele havia encontrado sua casa. O que fazia
ali.
Ele se aproximou da estufa e por um
instante ficou olhando um dos vitrais. Ana desceu o degrau e voltou para o
jardim. Sentou-se novamente e ficou em silêncio.
— Eu me lembro quando ele estava
montando essa estufa. Me lembro desse aqui — apontou para o vitral.
Ela finalmente falou.
—Você esteve aqui com meu pai?
Ele se aproximou dela.
—Ele me fez acreditar que eu o havia
ajudado a montar este quebra-cabeça. Ele e sua mãe foram pessoas especiais na
minha infância. E de repente... desapareceram. Como se um encanto os tivesse
arrebatado de mim. Parecia mesmo verdade o que minha mãe me disse... que eu os
havia inventado. Tipo amigo imaginário, sabe?
Ele não sabia como ela reagiria mas
sentou-se a seu lado. Ela não se moveu nem o olhou, continuou com o olhar fixo
em um tempo que não havia vivido.
—Precisamos ter esta conversa, Ana.
Ainda que seja a última. Agora entendo porque você se afastou de mim... mesmo
sem saber de nada. Isso é algo muito forte. E eu me sinto cúmplice de
assassinato.
— Não...
Ele a impediu de falar.
—Eu me sinto assim, e preciso que você
me perdoe pelo que minha mãe fez a seus pais.
—Você não tem nada a ver com isso, João.
Você era uma criança... e essa história te atingiu com uma força brutal. Não é
o único que se sente atordoado.
Ele a olhou angustiado.
—Eu o vi sendo morto.
O ar ficou preso nos pulmões dela.
—Eu estava lá, Ana. Eu vi seu pai caindo
aos pés de seu avô. Mas eu não imaginava...
Ele calou-se e baixou a cabeça.
A surpresa pela revelação e sua
compaixão por ele se misturaram e ela emudeceu. Aproximou-se, entrelaçou o
braço ao dele e colocou a testa em seu ombro.
—Eu sinto muito, João.
As ações cruéis passadas de outras
pessoas, cujas ondulações os atingia no presente, de certa forma, os unira, mas
podiam separá-los para sempre. Permaneceram calados, confortados apenas
pelo toque um do outro.
Então ele fez a pergunta.
—Você acredita que ainda temos uma
chance?
Ela ficou calada. Dolorosamente, Ana
sentia como se os últimos resquícios do vínculo que ainda poderiam ser reparados entre ela e João fossem tão tênues, que poderiam se apagar como um sopro sob a chama de
uma vela.
Estava confusa.
Tinha medo que não conseguissem superar
o peso do ódio, da injustiça e do assassinato. João não tinha culpa das ações
de Melissa, assim como Ana não tinha pelas do avô, mas por que não conseguia
dizer para ele que eles podiam vencer e ficar juntos? Estava ciente de que se permitisse que aquelas palavras saíssem
de sua boca seriam vazias. Sem alma. A verdade era que ela tinha medo do futuro por causa do passado. Temia que as trevas
os perseguissem e os colocassem um contra o outro. O tempo podia tanto ser aliado quanto inimigo.
—Não sei —foi honesta.
Ela se levantou e afastou-se dele. Por
mais que se solidarizasse com ele, naquele instante nem mesmo conseguiu encará-lo.
—Me desculpe, mas... não sei se
consigo...
Cruzou os braços e encarou o espaço.
—Não sei se consigo conviver com você,
sem...
Ela
não conseguia conviver com ele. As palavras contra ele foram cortantes. Cruéis.
—Sem me lembrar o tempo todo —
angustiou-se.
Sem
se lembrar da morte de seu pai.
Era melhor assim, ela pensou, ou
acabariam se destruindo. A distância os protegeria.
João deixou-a silenciosamente.
****
Obedina ouviu Ana falando sobre João e sorriu
intimamente. Pousou a xícara cor de rosa com chá sobre o pires e olhou com seus
profundos olhos negros para Ana. Aquela história não havia terminado com Clara
e Benjamin. O caminho era mais longo e intricado. A justiça poderia trajar-se com
várias indumentárias.
—Benjamin e Clara foram partidos diante de
uma cidade que escolheu silenciar. Olhar de lado. Foram enterrados debaixo da
indiferença. Será que o sacrifício deles já não foi suficiente? Clara deu o
passo mais difícil pulando aquela janela para longe das trevas que a sufocavam.
E não fez o que fez para que sua filha rastejasse de volta para lá, anos
depois. As últimas palavras de sua mãe foram para que eu a mantivesse longe de
seu avô. Não foi um pedido em um leito de morte, Ana. Ela me impôs um pacto.
Enquanto se esvaia em sangue aprisionou minha alma com suas palavras. Eu me arrisquei
muito para cumprir minha parte. Para quê? Para que você volte voluntariamente
para debaixo dessa história opressora? Eu e Clara convivemos com Otho Braun e
escapamos a seu veneno, por que não pode fazer o mesmo?
Ana sussurrou.
—Tenho medo.
—Talvez não ame João o bastante. Talvez
não o ame de jeito nenhum.
Ana olhou para Obedina assombrada com
suas palavras.
—Clara amava Benjamin. Nem o diabo de
Otho Braun a conseguiu afastá-la dele. E ela parecia tão mais frágil que
você...mas... — suspirou —, talvez eu esteja errada. Afinal, quem pode dizer que
alguém é forte ou fraco, se não quando está diante de seu inimigo, não é
mesmo?
****
Anoiteceu.
Ana foi até o quarto da mãe e depois
disso saiu de casa.
Caminhou apressada pelas ruas com a
atmosfera alaranjada, iluminada por lâmpadas de sódio. Ao alcançar a rua
paralela, esperou impacientemente pelo ônibus que a levou ao centro da cidade.
Chegando à praça pegou um táxi.
****
João estava sentado na segunda fileira e
esperava pelo início da cerimônia, quando viu a mãe entrar. Como sempre,
impecável. Jamais se dava por vencida. Ela o procurou com o olhar e ao
encontrá-lo sorriu, como se aquela, fosse antes de tudo sua conquista. João
desviou seu olhar dela.
Pouco a pouco o auditório foi ficando
cheio. Ele viu o pai sentar-se do outro lado, oposto ao da mãe. Eduarda chegou
com sua família. Para João, era inacreditável que ela ainda desse confiança a
ele depois do que havia presenciado em sua casa. Sentia-se inquieto. A beca o
incomodava. Estar diante daquelas pessoas o estava aborrecendo. Só de pensar,
que um ano antes, esperara ansiosamente por aquele dia.
Os nomes dos alunos começaram a ser
chamados para receberem o grau.
João Monteiro.
Ele levantou-se, foi até a mesa
diretiva, recebeu seu diploma simbólico e olhou para a câmera fotográfica que
esperava eternizar um sorriso triunfante seu, mas apenas conseguiu um meio sorriso
forçado.
Voltou a seu lugar e esperou, meio
desiludido, pelo fim da cerimônia.
Quando os capelos voaram, ele apenas
segurou o seu fora da cabeça. Começava agora, sua hora mais sofrida. Como
imaginou, a mãe apressou-se em sua direção e ele teve medo de sua reação. Ela o
tocou e ele permitiu que o entorpecimento tomasse seus sentidos.
—Parabéns, meu filho.
Olhos vazios encararam Melissa, sem
dirigir-lhe uma única palavra. Eduarda e o pai se aproximaram dele e o
congratularam. Ele esboçou um sorriso agradecido.
—Por que não saímos para comemorar? —
sugeriu Eduarda.
—Conheci um restaurante bem agradável —
completou o pai — Fica no mirante e podemos ver toda a cidade de lá.
—É uma boa ideia! — Graziela completou.
Melissa fez um gracejo para Graziela e
ela sorriu.
A conversa vulgar começou a irritá-lo.
Estavam realmente agindo como se nada tivesse acontecido? Perguntou-se como
seus pais haviam conseguido viver todos aqueles anos daquela forma. Varreram
toda a sujeira para debaixo do tapete, celebraram dias festivos e aceitaram
graciosamente a calma rotina da vida de forma imperturbável. Nada os corroía?
Quando ia abrir a boca para fazer um
comentário ácido e declinar o convite, seu olhar foi atraído para um caminhar
que já lhe era bem familiar. Viu a
mulher trajando um jeans e camiseta branca indo em sua direção.
Parou diante dele, olhou-o nos olhos e
abriu a boca para falar-lhe, mas como um galho espinhoso se estende para
envolver uma flor e machucar quem tente se aproximar, Melissa se colocou-se
entre ela e João.
—O que faz aqui? Veio estragar a
celebração de meu filho?
Ana olhou-a de forma enérgica.
—Saia da minha frente, Melissa.
—Não! Saia você daqui.
Uma mão agarrou Melissa pelo braço,
afastando-a sem muita delicadeza.
—Venha, querida! — o marido sussurrou
entredentes para ela. — João precisa de um tempo.
Ofendida, ela olhou para o marido e
depois para o filho, cujo olhar feroz desmentia seus modos contidos e ameaçava
uma reação desagradável. Caminhou altiva ao lado do marido, de Eduarda e seus pais,
mas se recusou a afastar-se muito do casal. Permaneceu em uma distância que
garantia que seu olhar intimidador alcançasse Ana. Agia como uma fera enjaulada
pronta a atacar.
João esperou. Ana olhou para ele, tomou
sua mão e colocou duas alianças em sua palma. Ele nada falou, apenas olhou para
os aros dourados em sua mão.
—Eram de meus pais — ela falou
hesitante.
Olhou para ele, esperando palavras que
não vieram. Ele esperava algo dela. Ana desviou os olhos e encontraram os de
Melissa, que a fuzilavam, como seu avô havia feito com seu pai anos antes. Voltou-se
para João. Ele estava tenso. A mão havia se fechado sobre as alianças.
—Se você não quiser mais me ver, eu vou
entender, só quero que saiba, que... eu sei que fui covarde naquele dia... —
ela olhou para ele com olhos que rogavam que a ajudasse.
—O que você quer, Ana? — João perguntou
com a voz estrangulada.
—Eu quero que você fique comigo.
Pronto. Havia dito.
Mas quando as palavras saíram de sua
boca, ao invés de alívio, ela sentiu-se abandonada e sem defesas. Melissa e o
grupo que a acompanhava a encaravam. Ela cruzou os braços e sentiu vontade de
correr. Mas João a puxou para si e abraçou-a. Enfiou o rosto nos cabelos dela e
apertou-a.
Ana não se lembrava porque havia
afastado João dela. Ela ergueu o rosto para ele e sentiu os lábios dele nos
dela com uma intensidade quase dolorosa.
Um instante depois separou os lábios dos
dela.
—Você vai conseguir conviver comigo? —
ele perguntou.
Ela tocou seu rosto.
—Todos os dias.
—E de que vai se lembrar quando olhar
para mim?
—Que eu amo você.
Ele abraçou-a novamente.
—E então, vai aceitar minha proposta? —
perguntou ela a seu ouvido.
Ele sorriu.
—O que é? Vai me convidar para fugir?
Ela olhou novamente na direção de
Melissa, mas ela não estava mais lá. Havia se afastado. Desaparecido.
—Não. Não vamos precisar.
FIM
₢Gardenia Yud
Obs: Para os que desejarem ler, o conto 'A CASA' está disponível no blog desde o prólogo.
Obs: Para os que desejarem ler, o conto 'A CASA' está disponível no blog desde o prólogo.