terça-feira, 30 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 8

Após a SEMANA DE ARTE o Professor Mauro, indicou Ana para uma vaga na Galeria, o que a deixou bastante entusiasmada. O salário era basicamente o mesmo que ganhava na loja, e desta forma não teve nenhuma dúvida ao tomar sua decisão de pedir demissão.

—Nossa, que sorte a sua! Vai trabalhar com o que gosta, não é mesmo? Eu vou ficando por aqui... —Jeane suspirou passando os olhos casualmente pela loja.

—Vamos continuar nos encontrando para almoçarmos juntas.

Ana olhou para a amiga que a olhava um pouco pesarosa. Por estarem quase sempre no mesmo ambiente, estavam sempre a trocar confidências. Jeane falava dos pais idosos a quem ajudava, e às vezes, reclamava dos irmãos. Mas quando se lembrava da história de Ana sentia-se desconfortável por saber que a amiga não tinha ninguém para quem voltar.

—Quem sabe um dia não aparece uma outra oportunidade para você também? Algo melhor.

—É... só não sei bem do que eu gosto. Mas, estou satisfeita só de poder trabalhar. O pessoal aqui me conhece e respeita. Não tenho do que reclamar.

—Bem que podia voltar a estudar. Você me dá tantos conselhos...esse é o meu para você.

Jeane olhou para ela.  

—Talvez. E o João? Não o viu mais?

O semblante de Ana mudou. Desde a noite da SEMANA DE ARTE nunca mais o viu. Seu coração apertava só de lembrar dele. E agora, sempre que sua imagem surgia em sua mente, estava acompanhada de Eduarda. Era tão sofisticada. Nada tinha a ver com ela. Lembrava-se da forma protetora como ele a guiava quando chegou ao Auditório naquele dia.  

—Não.

—Também, né. O que você queria? Deu um fora nele. Sabe o que eu sinto? Que a vida tentou te ajudar colocando ele em seu caminho e você se boicotou.

—A vida nunca tentou me ajudar...esqueceu que eu cresci sem pai e mãe — disse amarga.

—Isso foi antes, mas agora, ela está tentando te dar uma mãozinha. João se importava com você, e se disse que não tinha nada com a moça, eu acredito nele.

Ana riu. Tinha crescido em um orfanato e Jeane é que era inocente. Era coincidência demais que ele estivesse namorando justo com aquela mulher, com quem ela o avistara semanas antes, enquanto ainda namoravam.

—Eu gostei muito dele. Acho até, que foi mais que ‘um gostar’. Me sentia...sinto uma ligação com ele que não sei explicar, mas também tem algo que me repele. Não é como uma aversão. É mais uma barreira.

—E tem ainda o fato de você não ter confiado a ele sua história no orfanato, não é? Absurdo! Acho que se fosse meu namorado, eu tinha dito a ele desde o primeiro dia. Se ele não me aceitasse por isso, bem aí sim, saberia que não era para mim. Mas você decidiu tudo sozinha, por causa de seu orgulho e falta de confiança.

—Já sei... é isso!

—O quê?

—Você deve estudar Psicologia.

Jeane sorriu.

—Gostei da sugestão. Vou pensar.

Elas se dirigiram até o ponto de ônibus e se despediram.

—Então, à partir de amanhã, só te vejo no almoço.

Ana olhou para o edifício da Galeria de Arte. Sua próxima fase.





Ela entrou na Biblioteca da Universidade e se dirigiu a área onde ficavam os periódicos.

—Onde ficam os jornais e publicações locais antigos, por favor?

A recepcionista apontou o corredor.

—Sabe me informar, quais as a publicações mais antigas que vocês tem aqui?

A mulher fez um muxoxo com a boca e a olhou através das lentes de seus óculos.

—Olha... acredito eu, que sejam as do ano que foi inaugurada a primeira imprensa nessa cidade.  Antiga o suficiente para você?

Ana ficou constrangida com o modo dela falar.

—Sim, obrigada.

Quando já ia prosseguindo em direção do corredor, ouviu a mulher chamar.

—Psiu, mocinha...

Ana voltou-se para ela.

—Cuidado para não danificar nenhum de nossos documentos, está ouvindo? Manuseio cuidadoso.

Ao chegar diante das estantes viu as pilhas de jornais classificados por ano e mês. Talvez, pensou ela, década de 70. Será que encontraria ali, alguma informação sobre Benjamin Bachman. Teria ele importância na sociedade da época para merecer alguma menção em um jornal? O Professor Mauro disse que ele tinha um talento especial. No caderno de Arte, talvez? ‘Ele nos deixou cedo...’, ‘forças das trevas’. Por que não perguntava logo ao Professor o que queria saber? 

Depois, pensando melhor, decidiu que não estava disposta ainda a revelar a ele toda a sua história. Toda vez que começava a contá-la, sentia como se tivesse pedindo a compaixão alheia. A pobre e pequena órfã.

Voltou até o balcão e abordou novamente a funcionária.

—Sabe, se existe uma forma de eu conseguir informações sobre uma pessoa em especial? Tenho um nome, mas não o artigo, datas.

A mulher colocou a mão na face com o indicador apontando para cima, enquanto seu polegar apoiava o queixo. Ao invés de responder, observava Ana silenciosamente, que logo pressentiu que não iria gostar do que ia ouvir, quando a mulher resolvesse abrir a boca. Ela finalmente dignou-se a falar.

—Sabe a impressão que você me dá? Que não é muito fã de Bibliotecas, não é? Pois, com certeza andou faltando o dia em que explicamos aos calouros como localizar um livro ou documento no acervo da Biblioteca. Embora acredite, que isso deveria ser matéria de Vestibular, pois quem não frequenta Bibliotecas não deveria nem mesmo estar em uma Universidade. As fichas catalográficas dos periódicos estão organizadas no Fichário. Aquele movelzinho de aço cinza, bem ali, atrás de você — apontou com o queixo. — Você tem que ter ao menos um nome e sobrenome da pessoa. Procure por ordem alfabética... o sobrenome.

Ana sentiu seu rosto em chamas. Com certeza, aquela mulher tinha conseguido o que queria. Respirou fundo. Decidiu não desfazer a falsa impressão que ela tinha sobre seu hábito de leitura. Revestiu-se de toda a humildade que pode encontrar em si mesma e falou:

—Senhora, me desculpe por incomodar, eu sei como utilizar o fichário, mas é que na verdade não sei se vou achar algo sobre este...cidadão. Não sei, se existe alguma menção em jornais a respeito dele. Sei que não faz muito sentido o que estou falando. Só estou realizando uma pesquisa aleatória...  

A mulher parecia não mais ouvi-la. Pegou uma caneta e começou a rabiscar um papel que estava sobre o balcão.

—Sei que ele estudou nessa Universidade, era um designer. Benjamin Bachman.

A caneta na mão da mulher parou por um instante, e ela levantou os olhos para Ana.

—Tente o Caderno Policial. 1970.

—Caderno Policial?

Ela voltou a rabiscar o papel.

—Obrigada.

Ana foi novamente ao corredor onde estavam os jornais. 1970. Começou com Janeiro. Com certeza, seria pedir demais à ela o mês e dia. Passou uma hora ali, mas não encontrou nada. Sua aula, breve começaria. Voltaria amanhã.

Passou pela funcionária e disse ‘até amanhã’.




Seu primeiro dia de trabalho foi de reconhecimento, mas ela já se sentia parte do lugar. Estar em meio a arte, fazia com que se sentisse elevada. Era como andar em meio a imortais. Sentia a glória que emanava de cada objeto e entendia a inspiração do artista, quer famoso ou anônimo. Conseguia enxergar em suas obras um pouco de suas almas. Em algumas havia beleza, em outras esplendor, e em outras, ainda, desespero e dor.

Seu trabalho era basicamente administrativo, bem diferente do anterior. Quando não estava no escritório, refugiava-se no pavilhão e contemplava as obras em exposição. Às vezes, não conseguia acreditar em sua boa sorte de estar sendo paga para estar ali.

Talvez Jeane estivesse certa, a vida começava a lhe compensar, não na proporção com que havia perdido, mas ao menos, agora, sentia como se sua identidade começasse a se definir melhor. Atravessou o pavilhão, de volta ao escritório e lembrou-se de quando esteve ali com João. Tinham tantas afinidades, ponderou.  

Naquele dia, outra Ana desceu os degraus da Galeria, e ela não saberia dizer exatamente o que havia acontecido. Era como se houvesse,finalmente se alinhado a seu propósito. Algo desabrochou em seu peito. Não imaginava que sentimentos e mudanças como aquelas ocorressem de uma hora para outra, como uma ‘metamorfose instantânea’. Talvez, existisse um bom futuro para ela, pensou. Aquele dia era especial.





Ao chegar à Biblioteca pegou os periódicos de Fevereiro de 1970 e foi sentar-se a uma escrivaninha mais distante das outras, para poder concentrar-se em sua busca. Dez minutos depois, percebeu que a funcionária aproximava-se dela. Colocou diante dela uma jornal e saiu, sem nada dizer.

Ela sentiu seu coração acelerar. O dia era 27 de Junho de 1970. Foi ao Caderno Policial, e as letras garrafais do primeiro artigo, saltaram até seus olhos: Assassinato Misterioso. Havia uma foto em preto e branco, quase apagada, mas ela pode perceber que era de um corpo que jazia ao chão.

Rapidamente seus olhos começaram a ler o artigo.

Na madrugada desta terça-feira 26, o corpo de um jovem, perfurado em seu tórax esquerdo por uma bala, foi encontrado sobre a ponte do Bairro de Santa Rosa. Hoje ele foi identificado como sendo do designer e estudante de Engenharia Benjamin Bachman, 25. Ainda não se sabe quem foi o autor do homicídio e sua motivação, mas a polícia afirmou que investigações já estão em andamento. A cidade está em comoção com o fato ocorrido, já que não são comuns os casos de assassinato nesta localidade à anos, e de acordo com amigos e familiares, a vítima era de hábitos ordeiros e visto como um artista de grande potencial, tendo inclusive, algumas de suas obras exportadas para Europa.


Lágrimas silenciosas desciam sobre a face de Ana. Não tinha nenhuma evidência, mas algo em seu coração lhe dizia que havia encontrado seu pai. 

₢Gardenia Yud

segunda-feira, 29 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 7

— É isso que eu acho, Ana. Você precisa encontrar uma forma de acreditar mais em você, melhorar sua auto-estima. Ou então, você não vai sobreviver tão bem aqui fora, sabe. Vão sempre tentar tirar de você alguma coisa, e sem confiança, você vai acabar entregando tudo. Não foi legal o que você fez ao João, e menos ainda com você mesma! Espero que você não descubra isso tarde demais!

Diante da expressão fechada de Ana, Jeane tocou seu braço gentilmente e disse:

— É só um conselho de amiga! Não estou tentando me intrometer em sua vida.

Jeane deu as costas para ela e foi embora, deixando-a no ponto de ônibus.

Ana estava confusa. Realmente achou Jeane invasiva. Havia passado anos com as freiras tomando decisões por ela, escolhendo o que deveria vestir, como se comportar.  E agora esperava fazer isso por ela mesma. Não acreditava que deveria ficar ao lado de alguém que não lhe demonstrava lealdade. Mas sua nova amiga, dizia que ela deveria ouvir João. Agora, porém, era tarde demais. Duvidava que ele queria vê-la. E não tinha coragem de falar com ele sobre sua história. E se a rejeitasse? Não sabia se aguentaria lidar com seu desprezo.

O ônibus da Universidade parou e ela entrou.

Estava desconfortável com a conversa que havia tido. Precisava ouvir conselhos de alguém que realmente se importasse com ela. Mas, quem? Não tinha ninguém. Sentia-se a pessoa mais solitária do mundo.  Às vezes, era como se estivesse rodeada por uma atmosfera fria, olhando as pessoas além dela com suas vidas ensolaradas. Apenas quando estivera com João sentira-se consolada. Suspirou melancólica.

Ana desceu do ônibus e apressou-se até o Departamento de Artes. 

Ao chegar à sala do Professor Mauro, viu através do vidro que ele estava sentado em sua mesa com algumas fotos diante de si. Quando a viu, abriu um sorriso e fez um gesto para que entrasse.

—Nossa! — ele exclamou. — Fiz uma viagem no tempo por sua causa. Velhas e boas lembranças, embora tenham me deixado um pouco nostálgico. Sente-se, Ana.

—Obrigado, Professor!

—Aqui, estão os trabalhos de meu velho amigo. Raridades que infelizmente só posso contemplar através destas fotos. O colorido destes vitrais se desvaneceram em minha mente com o tempo. Mas me emocionavam.

As mãos de Ana estavam frias. Quando pegou a primeira foto apreciou os detalhes dos desenhos nos vidros. Embora as fotos não fossem coloridas, a beleza deles era incontestável. Todos os elementos que faziam parte de sua individualidade como artista estavam lá. Então, mais uma vez, viu um vitral com o rosto de mulher. Algo a comoveu.

Ao perceber que ela estava hipnotizada por  aquela foto, ele sorriu:

—Percebeu, não foi?

—O quê? — ela perguntou acordando de seu êxtase.

—A semelhança entre a mulher do vidro e você.

Ana engoliu em seco, e olhou novamente para a imagem. Então era isso! Ela havia visto a si mesma naquela mulher. Talvez fosse o formato dos olhos. Os lábios. As maçãs do rosto. Ou todo o conjunto. O rosto da mulher parecia com o dela. Quando a avistara na casa, havia sentido algo, quase transcendente, mas não percebera aquela semelhança. Não era uma pessoa apegada a espelhos. Aprendera a renunciar aquelas ‘superficialidades’ no convento. Não estudava os próprios traços com frequência. Quando afastava-se do espelho não se lembrava muito de sua expressão. Às vezes, quando dava de cara consigo mesma nos espelhos da loja, se surpreendia com a imagem. Parecia estar olhando para outra pessoa.

—Parece com você.

—É... parece mesmo.

—Agora, olhe esta aqui.

Ele entregou a ela uma foto onde viu o Professor mais jovem com um rapaz. Eles sorriam para a câmera. Estavam encostados em um Fusca. As roupas eram no estilo dos anos 70. Por algum motivo o coração dela deu um pulo, e sua respiração ficou suspensa.

—Esse aí era Benjamin.

O sorriso dele era límpido. Mesmo através das lentes podia perceber a vivacidade e brilho de seus olhos.

—Um grande homem e artista, mas infelizmente deixou-nos cedo.

—O que aconteceu?

O semblante de Professor Mauro, repentinamente tornou-se sombrio.

—Forças das trevas, minhas querida — disse amargurado. — O mundo está cheio delas. Mas não vamos falar nisso. Vamos focar nas artes.

Ana segurou a foto firmemente, sem querer se separar dela.

—O que pretende, Ana?

—Como?

—Você me disse que é uma entusiasta das artes e sei que sua área é bem diferente, mas acredito que esteja com disposição para divulgar esse trabalho. Que tal?

—Eu?

—Por que não? Preciso de uma entusiasta das artes — disse sorrindo. — Veja bem. Não é todo dia que alguém chega aqui interessada em vitrais e que me pede informações de um designer em especial, que coincidentemente, também é meu preferido. E foi meu amigo.

—Mas... como eu poderia ajudá-lo? —questionou incerta.

—Divulgue os vitrais entre seu colegas. Preciso de voluntários aqui e na galeria. Pessoas que amem a arte. Que saiam de seu caminho por ela.

Ana sentiu-se um pouco culpada por ele pensar nela daquela forma. Gostava da arte, mas seus motivos para estar ali, eram mais pessoais. Menos elevados do que ele imaginava. Mas de certa forma, viu naquele convite uma forma de estar mais próxima da história de Benjamin, aquele desconhecido, que sentia como se fosse alguém próximo à ela.

—Está bem! — sorriu. Seu coração pareceu mais leve. Quase entusiasmado.

—Daqui a duas semanas estaremos realizando A SEMANA DA ARTE aqui na Universidade e na terça-feira realizaremos palestras e exibições de vitrais. À noite, será a palestra sobre Vitrais Religiosos. O evento será no Auditório do Departamento.  Preciso de alguém para me ajudar com slides e também com a recepção, entre outros detalhes. Sei que é ocupada, mas se tiver um tempinho, poderia me ajudar. E então?

— Claro!

Finalmente um objetivo! Ainda que não tivesse tempo, o criaria! Precisava fazer parte de algo que a inspirasse ou acabaria enfurnada em seu apartamento e afundando em pensamentos pessimistas.
Combinaram que ele deixaria o material a ser organizado no departamento com as orientações escritas e ela passaria lá para pegá-los. Às quartas à noite se reuniriam em sua sala para decidirem a relevância do material a ser divulgado.

—Obrigado pela oportunidade, Professor.

— Eu que agradeço pela ajuda.

—Tenho que ir agora. Minha primeira aula já vai começar. Até mais.

Professor Mauro ficou olhando a moça deixando sua sala e depois olhou a foto diante de si. 

Recostou-se na cadeira de espaldar alto e seus olhos se perderam em um outro lugar e outro tempo, muito longe dali.

Ana pensou nos vitrais da casa. Quase deixava escapar para o Professor Mauro sua descoberta, mas algo a impediu. Precisava descobrir mais, antes de expô-la. Será que Benjamin havia conhecido seus pais? E a mulher do vitral? Um pensamento absurdo perpassou seus pensamentos. Absurdo demais para ela deixar ir adiante. Precisava de mais informações, só então, teria como tirar conclusões.




Como esperara, o final de semana se arrastava, pensou João.

Graziela a todo tempo ‘jogava’ Eduarda para cima dele. E por um momento, ele até pensou em participar daquele ‘jogo’, mas então, percebeu que acabaria se abominando. Se ao menos começasse a gostar dela de verdade. Não era má ideia. Estava livre, não estava? Podia muito bem começar a investir em outro relacionamento, um em que não estivesse só.

Geovanni não perdia a oportunidade de falar em sua experiência na Europa, e a princípio, ele teve interesse de ouvir seus relatos, mas a forma arrogante como o irmão de Eduarda falava com ele, acabou por levantar algumas barreiras.

—Não ligue para o jeito de meu irmão, João. Ele é assim desde criança — Eduarda falou constrangida. 

João a olhou longamente. Ela não era apenas bonita. Era inteligente e amável. Pegou-se comparando-a à Ana. Lembrou-se de como ela podia tornar-se distante e até fria. Havia algo nela que não deixava que ele chegasse perto demais. Já havia pensado naquilo milhares de vezes. Talvez ela tivesse um segredo, ou simplesmente, ela não conseguia corresponder a seus sentimentos. Por que não aceitava e a esquecia?

Eduarda demonstrava, ainda que, com timidez que tinha interesse nele. Percebia em seu olhar. Decidiu que poderia dar à ela uma chance.

—Se você está me pedindo, eu não ligo — ele sorriu. — Como está indo na Universidade?

—Estou gostando bastante. É um mundo diferente do que eu estava acostumada — ela sorriu.

Ele divagou. Seus pensamentos voaram para longe. Mas ela continuava falando e ele se obrigava a acompanhar a conversa. Então, decidiu colocar um fim aquele emaranhado confuso que Ana criara em seus sentimentos.

—Quer ir comigo ao cinema no final da semana que vem, Eduarda?

—Claro!

Seu pedido não ficou em segredo por muito tempo. Ele percebeu pelo olhar de vitória da mãe.





A semana passou voando para Ana. Os preparativos da SEMANA DE ARTE a envolveram de tal forma que ela não se importou com seu cansaço. Havia planejado voltar a casa naquela semana, mas acabou deixando a ideia de lado para descansar.

Pensou em voltar ao assunto ‘Benjamin’ com o Professor Mauro, pensou até, em compartilhar com ele sua história e revelar suas suspeitas ,de que talvez, o designer estivesse de alguma forma ligado a seus pais. A sua casa. Talvez assim, ele lhe contasse mais à respeito dele, das ‘forças das trevas’, que havia mencionado antes. Precisava de nomes. Coordenadas.  Pistas.

Mas, os preparativos para a SEMANA DE ARTE se avolumavam. Alunos de Universidades de cidades vizinhas, bem como palestrantes compareceriam e precisavam de alojamentos. O Professor não havia parado um só instante, e Ana percebeu que ele realmente precisava de ajuda, pois apesar de ser muito solicitado, não era muito organizado. A última coisa que ele precisava naquele momento era ouvir confidências. Poderia até soar estranho a seus ouvidos. Deveria esperar o momento certo.

O evento finalmente chegou. Ela não iria trabalhar na terça, mas havia combinado com sua gerente que faria hora extra para compensá-lo. Queria saborear ao máximo o resultado de seus esforços.

A Universidade estava em um clima festivo. Os alunos do Departamento de Arte pintaram murais e espalharam um colorido especial por todo o Campus. Mas, assim que chegou, Ana dirigiu-se ao espaço que a atraia verdadeiramente. Os vitrais haviam sido dispostos no Auditório sob sua inspeção.

Os visitantes começaram a chegar, às vezes, aos pares, outras em grupos. Ela os recepcionava, entregava folders explicativos e conversava com os mais interessados, quando era questionada.  

Às 10:30 hs, quando um grupo saiu e o Auditório ficou vazio, Ana afastou-se um momento da entrada para abrir mais uma das cortinas que impedia que o sol batesse completamente sobre um dos vitrais. Quando voltava, o viu na entrada. Seu sangue gelou ao perceber que não estava só. Ela viu que ele segurava levemente o braço da moça que o acompanhava e estava a um passo adiante dele. Quando seus olhos se encontraram, a primeira reação dela foi correr, fugir dali.  Instintivamente, ele deixou de tocar moça e baixou os olhos.

Eduarda pegou um dos folders que estavam sobre a mesa e perguntou:

—Posso pegar?

—Claro — Ana respondeu seca.

A moça entregou um para João e manteve outro para si mesma. Ele agradeceu-a, ainda constrangido com a situação. Ana saiu de sua paralisia e foi na direção deles, mas não o olhou mais. Pegou os folders e se postou na porta de costas para o casal. Apenas ouvia as exclamações da moça, que estava encantada com os vitrais. Nunca imaginou que ele fosse capaz de fazer aquilo com ela. Trazer a namorada ali. Com certeza ele sabia que poderia encontrá-la naquele local e decidiu humilhá-la. Então, estava certa! Agora tinha a confirmação de sua traição. Sentia uma dor terrível em seu coração. Sua garganta doía, por prender o choro que queria deixar escapar para lavar sua alma.

Ouviu quando os passos deles se aproximavam da saída e respirou fundo.

—Obrigada! — disse Eduarda. —Realmente encantador este trabalho.

—Que bom que gostou — Ana respondeu séria e seca, pois se esboçasse, ainda que fosse a sombra de um sorriso educado, desmoronaria diante deles. As emoções, à todo custo, aprisionadas sairiam em cascata. Ela deu-lhes às costas e foi até o vitral onde o Cristo estava sangrando na cruz e o contemplou. Concentrou-se em todos os detalhes. Em cada cor. Ele olhava para o céu, pedindo clemência, mas ela sabia a história. Seu Pai não O ouviria e Ele derramaria até a última gota de sangue vermelho no cumprimento de sua pesada missão.

Ana virou-se para a porta e descobriu-se só.

Foi até a entrada e terminou aquele turno destruída. Recebeu as outras pessoas sem nenhum entusiasmo. Um aluno veio substituí-la para que fosse à cantina almoçar. Ela foi até o banheiro e chorou.




—Moça esquisita, aquela da recepção, não?

João não respondeu.

—Cara amarrada.

—Sua mãe me convidou para jantar com vocês hoje.

Ele continuou em silêncio.

Parou o carro na frente da casa dela e esperou ela sair, mas ao invés disso, ela perguntou:

—O que foi? Você ficou calado de repente.

—Nada. Não é nada.

—Então, nos vemos hoje à noite?

—Claro.

Ela olhou para ele e esperou. Então, ele a beijou de leve nos lábios.

João olhou para o folder que Eduarda deixou no banco e o pegou. Leu-o minuciosamente, depois, deu partida no carro e saiu.


Não haviam tantas pessoas na palestra sobre Vitrais Religiosos. Umas vinte no máximo. Espalhavam-se aleatoriamente nos assentos do auditório. Ana deixou a recepção e sentou-se em uma cadeira da última fileira para apreciar o conhecimento do palestrante. Alguns minutos depois, uma pessoa sentou-se ao seu lado. Ela não olhou de pronto, mas o sentimento de que era observada a fez virar a cabeça. João estava lá. Olhava fixamente para ela.

Ana levantou-se e saiu do auditório. O frio da noite atingiu sua face aliviando suas emoções tumultuadas.

Ele pegou-a pelo braço e obrigou-a a encará-lo:

—Isso tudo é culpa sua!

Aquelas palavras despertaram a raiva dela.

—Minha culpa! Quando ainda namorávamos você saia com ela! Você me traía e a culpa é minha?

—Eu não traí você enquanto estávamos juntos!

—Não foi ninguém que me disse. Eu vi! Eu vi vocês juntos.

O olhar dele pareceu confuso.

—Eu vi, João!

—O que foi que você viu? Eu nunca traí você!

—Eu te vi passando com ela de carro no centro da cidade. Hoje tive a confirmação daquele dia.

—Hã! Você me viu dando uma carona para ela e concluiu que eu te traí? — Ele passou a mão nos cabelos nervoso. —Por que não falou comigo? Por que não me perguntou? Você é imatura, mesmo, hein?

—Sou? Você só estava dando carona para ela hoje, também?

—Não, Ana. Mas quando você terminou comigo sem me dar nenhuma chance, as coisas mudaram.

—Você é rápido!

—E você é insensível! Quando eu percebi isso, agi como deveria.

—Então, me deixa em paz! — ela se desvencilhou dele e foi em direção a porta, mas ele a impediu e novamente a obrigou a olhá-lo nos olhos, então sussurrou.

—Se você pedir... eu termino tudo com ela hoje mesmo. Você só tem que pedir.

Ela soltou o braço que ele segurava e entrou no auditório.

₢Gardenia Yud







quinta-feira, 4 de junho de 2015

A CASA - CAPÍTULO 6

─ Ana, você está me evitando?

João aproximou-se dela, enquanto saia da loja.

Ela cruzou os braços diante do corpo e não encontrou palavras.

─ O que aconteceu? Precisamos conversar.

Estendeu a mão para tocá-la no braço, mas ela esquivou-se.

─ Não vai dar certo, João.

─ O quê?

─ Não vai dar certo...nosso relacionamento.

─ Você está me confundindo, Ana. Espera, vem comigo. Vamos conversar.

─ Não, já decidi.

─ Você não vai nem me dizer o motivo?

Ela não o olhava nos olhos. As pessoas passavam por eles na calçada, e ela sentia-se tentada a acompanhá-las, sem dar a ele maiores explicações. Simplesmente, deixá-lo para trás.

─ Estou trabalhando e estudando muito, não tenho tempo para... nós.

Ele deu um sorriso amargo.

─ Sei. Se é assim, então, não houve ‘nós’, em nenhum momento. Era eu, só.

Ele deu as costas para ela e se foi.

Ela cobriu a boca com a mão. Estava chocada com o que havia acabado de fazer. De repente, lembrou-se, que havia visto ele com outra moça. Ele estava jogando com ela. E, claro, ela saiu perdendo. Queria ignorar os sentimento que gritavam dentro dela. Sentia-se tão ligada a ele. Mas, teria que conviver com eles por algum tempo. Quem sabe, conseguiria esquecê-lo?


  

─ O quê? Você terminou com ele? Ao menos, perguntou quem era a garota com quem estava?

─ Por que eu faria isso, Jeane?

─ Ana, você, realmente é verde, no quesito relacionamento, hein? Se deixou levar pelo ciúmes. Já pensou que podia ser irmã, prima ou apenas uma amiga?

─ Duvido. Ele não tem irmãos.

Jeane deu de ombros e voltou a organizar as roupas da seção masculina. Um sentimento de inaptidão a invadiu. Sentira ciúmes, mas não foi apenas isso. Sua insegurança a estava corroendo. Tinha medo que ele descobrisse a verdade. Não sentia-se à altura dele, e depois, que o vira com àquela moça, teve certeza que iria se machucar.

Se concentrou nas suas mais recentes descobertas sobre a casa, para aliviar sua tristeza.

João entrou em casa, rapidamente e já estava no meio da escada quando foi chamado.

─ Meu filho, como você passa dessa forma por nós? Nem falou com Eduarda?

Ele parou, respirou fundo e desceu as escadas. Voltou até à sala, acompanhado por Melissa, e cumprimentou Eduarda e Graziela.

─ Desculpem-me. Estava distraído. Olá Eduarda! Como vai, Dona Graziela?

─ Bem, João, obrigada! – respondeu Graziela. ─ Vim convidá-los para virem este final de semana conosco, até a fazenda. Vai ser aniversário de meu marido e queremos comemorar apenas com os amigos mais íntimos. A família de Cidinha Veloso já confirmou presença. Geovanni terminou o mestrado em Medicina na Inglaterra, e também estará lá. Vocês podem conversar. Quem sabe, ele não te dá umas dicas sobre as Universidades de lá?   

Ele não estava ouvindo o que ela dizia, apenas via os lábios dela se mexendo.

─ Meu filho! Graziela está falando com você.

─ Me desculpe! Sim, claro! ─ disse ele, sem saber direito com o que havia acabado de concordar.

─ Fico feliz que você venha conosco, João ─ Eduarda o fez aterrissar.

João sorriu e censurou-se mentalmente pelo que acabara de fazer. Seria o final de semana mais longo de sua vida.




Ele não dormiu aquela noite. Não conseguia entender o que havia acontecido. Acreditava que Ana correspondia aos seus sentimentos, e então ela fazia aquilo. No início de seu relacionamento teve a impressão de que ela escondia algo dele, depois teve certeza. Isso, ele havia aprendido a discernir desde cedo. Sua própria família tinha seus segredos e que escondiam dele à sete chaves. Não havia descoberto ainda o quê. Mas o peso opressivo do que quer que fosse, pairava sobre ele. Sobre suas vidas. Toda aquela aparência de perfeição que sua mãe tentava criar e seu pai aceitava submisso, não o enganava.

Algo o dizia, que era o segredo de Ana, que fazia com que ela o quisesse longe dela. Havia ficado enfurecido com sua atitude com ele, naquela tarde. Tivera vontade de arrastá-la até o carro e obrigá-la a se explicar. Detestava a sensação de impotência e revolta, que acordava nele, quando tinha que lidar com pessoas que estavam, claramente, desempenhando um papel diante dos holofotes, enquanto levavam uma vida obscura e sorrateira nas sombras. Atores! Jamais renunciavam a seu papel! Morriam e matavam por ele.

Mas, logo, descobriria o que Ana tinha a esconder dele e a faria olhá-lo nos olhos por tê-lo enganado. 

Levantou-se de madrugada para correr um pouco, sentia a necessidade de exercitar-se, a fim de poder conviver com tanta frustração. Decidiu fazer o trajeto ao redor do quarteirão, até sentir que poderia terminar aquele dia sem explodir. Fez um breve alongamento e saiu. Alguns minutos depois, sentiu seu coração acelerar, e uma leve sensação de bem estar se instalar. Estava certo, o esforço lhe fazia bem.


Olhou à sua direita, e viu a construção antiga do Orfanato Menino Jesus. O sino da capela dobrou seis vezes, na última, ele já estava virando a esquina.  Deu mais cinco voltas no quarteirão, e entrou em casa. 


₢Gardenia Yud


quarta-feira, 27 de maio de 2015

A CASA - CAPÍTULO 5

João notou que Ana estava distante.

Saíram do cinema e ela pouco falou. Dava respostas monossilábicas às suas tentativas de iniciar um diálogo, deixando-o inquieto.

─Aconteceu alguma coisa, Ana?

─Não...desculpe-me. Acho que estou um pouco preocupada.

─Com o quê?

─Com a prova que vou ter amanhã ─ mentiu.

Ele segurou sua mão e entrelaçou os dedos nos dela.

─Você vai se sair bem, sabe disso. Mas se tiver algum outro problema sabe que pode contar comigo, não é?

Ela sorriu e acariciou seu rosto.

─Não fui uma boa companhia para você hoje, não é? Me perdoe.

─Você é sempre uma boa companhia.

Ele deixou-a em casa, e combinaram de se ver na terça-feira, pois na segunda passava o dia na Universidade com seu orientador, resolvendo os últimos detalhes de sua monografia.

A casa, - o que havia visto e sentido nela -, consumia a mente de Ana. Mal se concentrava em seus afazeres, e sentiu-se culpada por não ter dado a João a atenção que ele merecia. Sem falar que outra ansiedade surgia em sua vida com aquele relacionamento. Não conseguia dizer a ele a verdade a seu respeito.

As mentiras que lhe contava pareciam se acumular. E se perguntava o que aconteceria quando elas viessem à tona. O que ele diria quando soubesse que sua namorada crescera em um orfanato? Que não tinha família ou nome? Que em sua identidade não havia nome de pai ou mãe? E que seu sobrenome, era igual à da maioria dos órfãos, que deixavam o orfanato Menino Jesus?

Trindade.

Por mais que fosse uma homenagem ao Criador e ao mistério que envolve Sua Pessoa, tinha dificuldades em aceitá-lo. Os órfãos o tinham como um estigma de que haviam sido abandonados pela família nas portas do Senhor. Algo como, o Senhor o deu, o Senhor o tome de volta.

Ana Trindade, era este seu nome. Um nome escolhido pelas freiras na pia batismal às pressas e que denotava certa falta de criatividade, já que haviam outras três meninas com nome igual ao dela. Mais um punhado de Marias, e outras tantas Isabéis.

Para nomear os meninos era mais fácil, já que Cristo tivera doze discípulos, embora só usassem o nome de dez, pois quando Judas Iscariotes cometeu o grande pecado, difamou o nome do outro Judas, o Tadeu. Uma das freiras disse que uma vez ousaram chamar um dos meninos Judas Tadeu, mas as outras crianças o chamavam apenas de Judas, e quando queriam irritá-lo, Judas Iscariotes. Ao perceberem o erro, trataram de mudá-lo e permitiram que ele o escolhesse, já que o haviam impingido - sem querer -, um peso, que podia até denegrir, futuramente, seu caráter.

Ele escolheu o nome de Roberto. Elas bem que tentaram negociar, influenciá-lo a escolher um nome bíblico. Até o apresentaram com uma lista de 50 nomes do Antigo Testamento, que estava fora do cânone de nomes escolhidos no Orfanato, que sempre dava prioridade ao Novo Testamento, repetindo-os quantas vezes fosse necessário - pensava-se até que era alguma promessa feita pelos padres e freiras fundadores, mas nunca comprovou-se o fato. Porém, não teve quem o demovesse de sua decisão. Ele queria ser Roberto e assim ficou.

Sua vida no orfanato não havia sido ruim. Tinha boas lembranças. As freiras eram pacientes com ela, e as crianças, com algumas exceções, foram suas amigas e confidentes. Eles, afinal compartilhavam de uma mesma tristeza. O abandono.  

Quando deixavam o orfanato e imergiam na sociedade, havia todo o tipo de reação. E não sabia, qual seria a de João.

Naquela noite, seu sono foi inquieto. Ao amanhecer, decidiu que voltaria à galeria de arte, e tentaria falar com um de seus organizadores. Quem sabe não tinham mais informações sobre aquele designer, cujos vitrais estavam nos fundos da casa de seus pais? Talvez, aquela informação fosse mais um elo, para ajudá-la a decifrar sua história.

Ela subiu as escadarias da galeria e caminhou até a administração. No meio do caminho, encontrou um funcionário.

─Bom dia, posso ajudá-la?

─Sim, eu gostaria de uma informação. Vim à uma exposição de vitrais à algumas semanas atrás, e gostaria de entrar em contato com o seu curador, Mauro Cartaxo Leme. Estou realizando um estudo sobre vitrais e preciso de algumas informações sobre um dos artistas que foram expostos.

─Ah, o Professor Mauro trabalha na Universidade. Ele é Coordenador do Departamento de História da Arte. Não será difícil encontrá-lo.

─Obrigada.

Ela deixou a galeria para voltar às pressas para o trabalho. Caminhou pela calçada e viu o carro de João parado diante do sinal. Adiantou o passo para acenar para ele. E congelou na ação. Ele conversava animado com uma moça, sentada no banco do passageiro. Entretido, não a viu. 

Ana a reconheceu. Era cliente esporádica da loja, pois na verdade o tipo de roupa que usava era de um estilo mais clássico e elegante. Eduarda Bellini de Alcântara. Nas raras vezes em que buscava algo mais casual para vestir, era rodeada pelas funcionárias, que não lhe poupavam elogios pela beleza e educação.

Seu coração afundou. Virou-se e caminhou apressada até a loja. Tristeza e suspeitas começaram a povoar seus pensamentos. Estava apaixonada por João. Mas, imaginava, se ele, ao menos, gostava dela. Ele havia mentido ao dizer que estaria com seu coordenador. Ela podia mentir, mas era genuína em relação aos seus sentimentos.

Estava tão atordoada com o que havia visto que ao chegar na loja, Jeane, uma de suas colegas a abordou.

─Algo errado?

─Não. Só um pouco de dor de cabeça.

─Tenho remédio para dor de cabeça em minha bolsa.

─Obrigada, Jeane.

─E, se precisar de um ouvido amigo, pode contar comigo também.

Ela sentou-se em uma cadeira e suspirou.

─Vi meu namorado com outra pessoa.

─Sinto muito! O que ele disse quando você o viu.

─Ele não me viu.

─Humm... você deve falar com ele.

─Não quero nem vê-lo, agora. Não sei se quero vê-lo mais.

─Entendo. Quando estiver mais calma, talvez.

─Obrigada por me ouvir, Jeane.

Na quarta-feira, Ana pediu para ser dispensada pela manhã do trabalho a fim de resolver algumas questões pessoais. Planejava ir ao Departamento de Arte. Precisava falar com Professor Mauro.

No dia seguinte, saiu logo cedo para a Universidade e procurou pelo Professor Mauro no Departamento de Arte. Foi mais fácil que imaginava. Alto, corpulento, cabelo amarrado em um rabo de cavalo e de barba encanecida e bem aparada, era um homem das artes. Até em sua forma de vestir-se, instigava e provocava seu observador. Olhou-a de forma inquisidora através das lentes de seus óculos.

─Está me procurando? ─ ecoou com sua voz possante.

─Bom dia, Professor. Meu nome é Ana e estou realizando uma pesquisa sobre vitrais. Fui à exposição que organizou e fiquei interessada em um dos artistas em especial: B. Bachman.

Seu rosto manifestou surpresa com o assunto.

─Que tipo de pesquisa? Você é aluna do Curso de História da Arte?

Seu rosto enrubesceu.

─Na verdade, sou estudante de Direito. Me considero uma entusiasta das artes, em especial dos vitrais.

Ele abriu um sorriso largo.

─A arte tem esse poder de entusiasmar as pessoas, de fato. Mas fiquei curioso, por estar interessada justo em Benjamin.

─Benjamin?

─Sim, foi aluno desta Universidade anos atrás. Aluno de Arquitetura, mas era uma artista e designer brilhante. Uma figura especial. Não havia muitos trabalhos dele a serem apresentados, mas tenho fotos de outros trabalhos dele. Em preto e branco. Mas, ainda assim é possível ver o desenho perfeito. Pode voltar outro dia? Trarei as fotos.

─Estudo aqui à noite, durante o dia trabalho.

─Às quartas, estou aqui à noite.

─Perfeito!

Ana ficou satisfeita com sua descoberta. Então, o seu artista chamava-se Benjamin. Agora queria entender como ele estava relacionado a sua história, se é que estava. Chegou a loja e Jeane à abordou.

─João à procurou.

Seu coração disparou ao ouvir aquilo.

─Achou que você tinha estado doente, pois disse que foi à sua casa e você não respondeu a campainha. Ele te esperou em frente à loja nos últimos dias e também não te viu.

─Saí pelo estacionamento.

─Ele parecia preocupado. Por que não fala com ele e tira esta história à limpo?


─Vou pensar.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A CASA - CAPÍTULO 4

Ela sentiu a urgência de voltar.

Precisava dar mais uma olhada naquele lugar, com fama da amaldiçoado. A casa parecia atrai-la. Chamá-la. E depois, era o único vínculo com suas origens.

João desejava levá-la ao cinema no sábado, mas ela deu uma desculpa: precisava estudar para uma prova, e dificilmente poderia fazê-lo durante a semana, devido ao trabalho.

─ Então, vou buscá-la amanhã e te levo para casa.  

Fez isso até a sexta-feira, e disse, que passaria para vê-la no domingo à tarde.

No sábado, ela realizou o mesmo trajeto que havia realizado na primeira vez. Só que desta vez foi ousada. Diante do portão, desfez o nó branco que juntava suas duas bandas e entrou. Como que pressentindo sua presença, o gato que ela havia visto da primeira vez apareceu na lateral da casa. Olhou-a e miou, uma ou duas vezes e depois veio em sua direção. Ela abaixou e fez uma carícia entre suas orelhas, deixando-o manhoso.

Então, atravessou a aleia cujo mato alto e arbustos denotavam que há muito tempo, ninguém entrava ali. Parou em frente a porta da casa, e estudou seu entalhe. Ali, seus pais haviam passado, entrado e saído. Felizes ou tristes. Será que ela, havia atravessado alguma vez aquele umbral em seus braços? Ou sua decisão de abandoná-la foi tão prematura, que ela nem mesmo conheceu o seio de sua mãe?

Foi até a janela e estudou o vitral que estava sobre ela. Era delicado. E haviam dois lírios brancos de cada lado. Algo a sensibilizou naquele desenho. Já o havia visto antes! Era como um raio que cai duas vezes em um lugar. Tremenda coincidência e em apenas uma semana.  Sem sombra de dúvidas, ele pertencia ao artista cujo vitral havia sido exposto na galeria. Se o pessoal que havia organizado a exposição soubesse, ficariam maravilhados, já que tão pouco de sua arte havia permanecido no Brasil.

Por um momento, ficou tão surpresa que esqueceu de seu objetivo ao vir ali. Então, o gato miou e colou a face em seu pé buscando afago. Ela tomou-o em seu colo e continuou em seu reconhecimento do local.

Atravessou o mato e foi até os fundos da casa, e surpreendeu-se com o que viu. Havia uma estufa de proporções mínimas. Rosas cresciam em seu interior e exterior. E fora dela estavam espalhadas dianthus, margaridas e dálias. Porém o mais impressionante, foi verificar que cada um dos vidros da estufa eram vitrais. Era como uma caixa de joias, onde caberiam três ou quatro pessoas dentro. Para completar aquele pequeno refúgio de sonhos, uma pequena fonte azulada, onde uma casal de pombinhos enamorados, estavam imobilizados, para suplantarem o tempo.

Seu encantamento a deixou sem ar.Aquele não era parecia ser um pedaço de maldição, e sim um lugar que celebrava o amor. 

Andou até a estufa e percebeu que em cada um dos vitrais havia um desenho. Começou a caminhar ao seu redor em sentido horário. Contemplou o primeiro, e assim prosseguiu até chegar ao último e seu coração pareceu que ia deixar de bater, de tão grande que foi o tumulto provocado pelo que viu. Era quase uma epifania. E com ela veio a certeza de que sua história estava ali.


Deixou-se ficar ali. Contemplando e sonhando com o que poderia ter sido e não foi. Tocou o último vitral. Aquela peça de um quebra cabeças que contava sua história. E colocou o seu dedo sobre a perfuração arredondada, que atravessava o coração que a mulher impregnada em cores, sobre o vidro, segurava. Era um a perfuração pequena, onde cabia o seu dedo. Mas que havia sido fatal. Ajoelhou-se diante dele, ainda com o gato no colo, e lá estava. A prova. A assinatura: B. Bachman.