Eu nunca havia visto sua face.
Filho de um déspota cruel que
reinava sem amor ou sabedoria sobre seu povo, ele fora minuciosamente moldado a
maneira dos reis.
Vestia-se em seda púrpura, era
alimentado por mãos delicadas e ninguém mais, a não ser ele mesmo, importava no
mundo. Todas as manhãs caminhava por seus jardins e a fragrância das especiarias
incensavam suas roupas reais e até mesmo a brisa se deliciava em adular seus
cabelos. A benção de Deus enchia de flores seu caminho.
Certa manhã, entediado, subiu a
torre mais alta de seu palácio, e ao observar as terras que um dia seriam suas
teve uma visão desconcertante: seu reino era seco, ocre e branco de sal. Aqui
ou ali havia uma mancha vermelha, outra negra, mas seus olhos não compreenderam
aquelas cores.
Foi a sala do trono e perguntou ao
seu pai por que, enquanto as cores do palácio gritavam de alegria, as do
vilarejo eram sem forma e murmuravam canções tristes a seu espírito.
‘Não olhe pelas janelas, meu
digno filho. Deus enche nossos palácios de fartura e beleza.’
O filho, grato por Deus muito
amá-lo nunca mais subiu a torre.
Passaram-se tempos e tempos e o príncipe
foi enviado a outro reino, pois seu pai ambicionava que compartilhasse de
outras culturas e voltasse com um novo conhecimento que engrandecesse ainda
mais sua casa.
Ao retornar para casa o filho foi
recebido com um grande banquete oferecido pelo orgulhoso pai.
Na manhã seguinte, o pequeno
príncipe convidou o rei para um passeio e o pai alegremente o acompanhou,
saudoso que estava de sua deliciosa companhia.
Subiram os 1386 degraus e
chegaram a torre mais alta. O pai, já idoso, cansou-se durante a subida, mas
nada disse.
‘Pai. Por que as cores fora do
palácio murmuram canções tristes ao meu coração?’ – perguntou o moço.
‘Já não te disse que Deus enche
de fartura e abundância nossos palácios? Não olhe pela janela.’
‘Mas tu me enviaste, a mandado de
Deus, a uma terra distante onde a chuva rega a terra, a relva verde rodeia os
muros da cidade e os seus governantes todos os dias olham pelas janelas de seus
palácios.’
O rei encolerizou-se e decretou: ‘Ficarás
aqui, a olhar por esta janela até que aprendas a odiá-la. Não participarás mais
da fartura e abundância de Deus dentro deste palácio, até que aprendas a
receber sem questionar.’
Assim dizendo o pai deixou a
torre batendo a pesada porta atrás de si, degredando seu filho a solidão e à visão
da janela.
Todo ano o rei enviava um emissário
para buscar informações sobre seu filho.
‘Ele vive a olhar pela janela, ó
grande rei. E não tem mais a forma que lhe damos. Sua aparência fica mais grotesca
a cada ano que se passa.’
Um dia, o rei decidiu conferir.
Subiu os 1386 degraus. Seu coração
palpitava de cansaço, mas sua curiosidade o instigava.
A grande e pesada porta foi
aberta, e ao contemplar seu filho, obra de suas mãos, não o viu. O ser que
estava diante de si, não era mais a sua semelhança. Uma dor profunda atravessou
o seu peito e ele caiu aos pés de seu filho.
Um novo rei desceu a torre.
Abriu as portas do palácio e
quando a luz do sol entrou, morcegos voaram de detrás das pesadas cortinas de
seda. Serpentes escorregaram de dentro dos pesados baús de madeira engastados
de pedras preciosas. Corvos e lagartos buscaram aborrecidos outro palácio para
se abrigar.
O rei montou em seu cavalo e foi
até a cidade, cujo chão era coberto de sal com manchas negras e vermelhas e ao
chegar à praça da cidade, mandou que um de seus servos cavasse um poço. E para o
espanto e maravilha do povo pobre e pisado uma fonte começou a jorrar. As águas
eram límpidas e brilhantes.
Um novo reino começou a surgir. E
uma relva verde apareceu onde antes apenas existia sal.
Todavia os morcegos, lagartas e
víboras de vez em quando reuniam-se para planejar uma retomada. Queriam de
volta o seu antigo reino. Vez ou outra enviavam um emissário para tentar o rei.
Mas suas estratégias eram todas reprimidas.
O povo amava ao seu rei, que era
único em sua justiça e bondade, e mantinha sempre a fonte a jorrar. Mas eles
sabiam que um perigo os ameaçava: o tenebroso grão-vizir. Homem de inteligência
fina e que escondia atrás de sua aparência fenomenal e cativante o desejo
sórdido de dominar tudo e a todos, inclusive o rei. O grão-vizir já havia tentado
de todas as maneiras infiltrar seus aliados no palácio sem sucesso. Até mesmo
tentara penetrar na mente do rei com sua loquacidade e brilhantismo diabólicos,
mas sem êxito. Até que uma nova possibilidade de retorno a seus tempos áureos
se delineou quando colocou os olhos em Paulina, a encantadora. Uma nulidade
mental, era verdade. Mas juntos, ele e ela, poderiam recolocar o bracelete
negro no braço do rei e uma nova reforma começaria.