João chegou em casa e ao passar
através do portão, percebeu que havia um carro estacionado diante do pórtico
principal. Reconheceu o veículo de uma das amigas de sua mãe.
-Meu filho, que bom que chegou.
Estávamos aqui, agora mesmo, falando em você.
Ela pousou a xícara de
porcelana sobre a bandeja, levantou-se e foi até ele. Encaixou o braço no seu,
e afetuosamente o atraiu até o centro da sala de visitas. Ele cumprimentou as
amigas da mãe, e foi constrangido a sentar-se entre elas.
-Eduarda acabou de entrar na
mesma faculdade que estuda. Você poderia ambientá-la no Campus. Ela ainda está
um pouco perdida.
-Parabéns, Eduarda. Não tinha
ideia que estava estudando para o vestibular.
-Quase não nos vemos, eu
acredito que seja por isso.
-As primeiras semanas são meio
turbulentas para calouros. Espero que não tenha tido nenhuma experiência
difícil.
-Teve, sim! -Graziela
interferiu. -Fiquei tão preocupada quando vi minha filha entrar em casa coberta
de tinta e ovos. Você não tem ideia!
-Infelizmente, é de praxe.
-Meu filho, você poderia buscar
Eduarda semana que vem, assim, poderiam ir juntos... pelo menos neste início de
semestre.
-Claro... por que não? Geralmente
saio de casa às oito da manhã, Eduarda. Não sei se o horário é bom para você
pois, na verdade, já paguei todos os meus créditos. Agora só vou ao Campus para
pesquisas, pois estou terminando minha monografia.
-Oito horas está ótimo para
mim.
Melissa e Alexandra trocaram
olhares conspirativos.
-Agora vocês vão me dar licença,
infelizmente preciso ir.
-Mas já, filho? - Melissa
perguntou descontente.
-Tenho um compromisso. Foi bom
vê-las. E Eduarda, passo em sua casa segunda, às oito.
****
-Você trama as coisas... - desferiu
cínico, enquanto fechava a porta da geladeira.
- Eduarda é uma moça bonita, de
boa família e educada.
- Ela é tudo isso, sim. Mas, é
bem mais nova que eu, além disso...já estou vendo alguém.
Melissa o olhou surpresa.
- Eu não sabia!
- Conheço os pais dela?
- Não.
Melissa não conhecia ninguém
fora de sua classe social.
- Você já os conheceu? São de
boa família?
- Eu a conheço e para mim é o
suficiente.
Melissa não quis iniciar uma
discussão com o filho. Queria ao menos um momento de paz. Desde sua
adolescência viviam às turras. Ela nada sabia sobre ele e suas conversas eram
superficiais. Quando tentava adensar um pouco mais o relacionamento entre eles,
nunca acabava bem. Ele a hostilizava e criticava.
Mesmo contrariada com as
informações vagas, pediu a ele que a trouxesse a fim de conhece-la. Sua
abertura funcionou, fazendo-o relaxar. A nuvem de tensão sobre eles foi
afrouxando. E parecia, que pela primeira vez teriam uma conversa sem que ele a
deixasse, de forma tempestuosa, falando só.
-Talvez, eu faça isso.
Olhou para ela, tentando
enxergar em suas palavras algum ardil. Então, colocou o copo sobre a bancada da
cozinha.
-Vai jantar hoje em casa? - ela
perguntou ansiosa.
-Vou sim, estou fazendo as
últimas correções em minha monografia, pois vou me reunir com meu orientador na
segunda-feira.
-Fico feliz que já esteja
terminando seu curso...você nunca me fala sobre seus planos acadêmicos.
Pretende tentar entrar em um mestrado?
-Não sei... no momento não
estou fazendo nenhum plano.
Ia saindo da cozinha, mas então
se virou para ela.
-Desço daqui a pouco para o
jantar.
Ela seguiu o filho com o olhar.
Planejava o relacionamento dele e Eduarda há algum tempo. Graziela era sua
amiga à anos. Cinco anos antes, suas famílias, com exceção de João, haviam
viajado juntos para a Europa, quando Eduarda estava entrando na adolescência, e
naquela época já prometia ser uma beldade. Ela provocava Graziela ao dizer que
faltava apenas um berço real para que fosse uma ‘puro sangue azul’. Graziela
respondia sorrindo:
-Não seja por isso, minha
querida. Tenho um Conde italiano em minha ascendência.
Melissa anteviu uma potencial
aliança entre suas famílias, mas sabia que tinha que conquistar o filho arredio.
João parecia-se muito com o pai. Ensimesmado e indiferente ao prestígio e
importância da família na sociedade. Com o passar do tempo, ao invés de
abrir-se mais, ele tornou-se hostil as suas ideias. Em uma de suas discussões
ele classificou sua ambições como ‘pretensão tupiniquim’.
Aquelas palavras a enfureceram.
‘Exijo que me respeite, sou sua mãe e dona desta casa onde mora.’ João se
ressentiu-se e passou a evitá-la, a fim de não baterem de frente. Mas ela não
desistia nunca de seus intentos.
Ela ouviu a porta da frente
sendo aberta e ao alcançar a sala de visitas viu o marido, desapertando o nó da
gravata. Ele a cumprimentou de forma fria, e pousou sua maleta sobre uma das
poltronas, coberta com tecido adamascado.
-Vou precisar sair esta noite.
Alguns de nossos fornecedores americanos estão na cidade e vamos sair para
discutir alguns negócios. Vou apenas comer algo leve, está bem?
Ia subindo as escadas, mas
voltou rapidamente para pegar a maleta. Quando estava na metade da escadaria
lançou um olhar indiferente em sua direção:
- Se o jantar demorar,
infelizmente não poderei ficar.
Ela suspirou exasperada.
‘Estava rodeada de opositores em sua própria casa’.
O jantar transcorreu silencioso. O marido na cabeceira da
mesa, não olhava para ela, e João estava absorto em seus pensamentos.
-Elizangela, você colocou o talher errado novamente. Já
expliquei qual é o talher para peixe.
-Desculpe, Dona Melissa. Vou buscar.
-Agora que já iniciamos a refeição, não tem mais necessidade.
Amanhã vou falar com Nazaré. Desisto de educar você.
João abandonou os talheres sobre o prato. Afastou a cadeira
e começou a retirar-se.
-Você mal tocou a comida. Onde vai?
-Perdi a fome.
-Mas...
O marido olhou-a pela primeira vez, durante o jantar. E havia censura estampada em seu rosto. Eles terminaram a refeição, silenciosamente.
****
João não esperou muito diante do apartamento de Ana, até que ela saisse. Usava um vestido simples de algodão azul e o cabelo preso em um rabo de cavalo. Ele foi até ela e cumprimentou-a com dois beijos leves na face. Ela ainda sentia-se constrangida diante daquela etiqueta social com tantas demonstrações afetuosas. Sempre imaginava o que Madre Justiça pensaria se a visse em uma daquelas situações. As religiosas, por viverem enclausuradas à vida no convento, não tinham a menor ideia do que se passava fora dos muros protetores e não sabiam preparar os órfãos que deixavam o convento. Ana usava sua sensibilidade para saber de quem se aproximar ou afastar, mas na maioria das vezes demonstrava frieza para com a maioria das pessoas. Ainda no orfanato, ouvira casos desastrosos de meninas, que por ingenuidade acabaram naufragando, enquanto tentavam viver fora dos limites do orfanato.
Creditava a seu hábito de
leitura, seu maior discernimento. A vida de Fantini em Os Miseráveis de Victor Hugo despertaram nela compaixão e uma
desconfiança, que levou a própria Madre a preocupar-se. ‘Se olhar apenas para o
lado negativo das pessoas, não vai conseguir viver lá fora.’ Mas Ana já havia
tido algumas lições extremamente desagradáveis durante aqueles dois anos. E sua
desconfiança a salvou de muitos lobos.
João abriu a porta do carro
para ela entrar e depois foi para o outro lado. Ao acomodar-se ele olhou para
ela de relance, para depois abrir a porta luvas, de lá retirando uma fita
cassete.
___Eu gravei uma seleção de
músicas de Djavan para você...para aumentar seu repertório.
Ela sorriu.
__Obrigada, João. Nossa, vou
ouvir assim que chegar em casa.
Ele deu partida.
__Para onde vamos?
__Surpresa!__ ele sorriu.
Enquanto ele dirigia, ela
reconhecia o caminho. Estavam indo para o lago. De repente, os sentimentos que
aquele passeio lhe provocava, enquanto ainda estava no orfanato, vieram à tona.
‘Ah, se os meus pais me vissem agora...e me reconhecessem.’
__Você já veio ao lago?
__Algumas vezes...
__Poxa! Eu pensava que esse passeio ia ser inédito __ disse desanimado.
__É o meu lugar da cidade
favorito.
__Mesmo? Bem, então, acho que
não errei.
Eles desceram do carro e
caminharam pelo gramado. Haviam crianças, casais de namorado, carrinho de
pipoca e algodão doce. Instintivamente ela removeu as sandálias, como tinha o
hábito de fazer ali, e o gesto o surpreendeu.
Ela sorriu:
Ela sorriu:
__Agora é sua vez.
Ele levantou o dedo indicador.
__Um momento. Pipoca ou algodão
doce?
__Pipoca.
Ele saiu em direção ao carrinho
e voltou com as mãos cheias, de pipoca e algodão doce. Estendeu a pipoca para
ela e só então, começo a remover os sapatos.
__Meus pés não são tão bonitos,
tá? __ ele alertou-a.
Então sentaram-se na grama de
frente para o lago.
__Então...você é uma expert em
vitrais...
Ela riu.
__Claro, que não! Eu peguei um
livro na Biblioteca depois que fui à casa onde meus... eu passei em frente à
essa casa, e vi um vitral muito bonito, que me despertou o interesse.
__Então era um vitral especial,
para te levar a uma biblioteca e depois a uma exposição.
__Eu achei muito bonito,
diferente dos que já tinha visto antes.
__Humm...
Uma fileira de patos
barulhentos passou diante deles em direção ao lago.
__De onde você é?
__Daqui!
__Ah... é que eu achei que você
havia dito que seus pais moravam em outra cidade, eu pensei que você não era
daqui.
__Ah... nós somos daqui, mas quando ainda era bem pequena, nos mudamos. Meus pais queriam uma vida menos urbana e compraram um sítio. Aí, depois precisei estudar e vim para casa de minhas tias.
__Ah... nós somos daqui, mas quando ainda era bem pequena, nos mudamos. Meus pais queriam uma vida menos urbana e compraram um sítio. Aí, depois precisei estudar e vim para casa de minhas tias.
Ela não olhava para ele
enquanto falava.
__Entendi.
__E você? Sempre gostou de
vitrais.
__Não...mas acho interessante o processo de criação, principalmente a forma como eles descobriram como colorir vidros com minerais. Estou terminando Engenharia Química e ... não sei... talvez eu trabalhe com a área de tintas. É sempre bom conhecer a história de como as cores começaram a ser usadas e foram desenvolvidas.
__Não...mas acho interessante o processo de criação, principalmente a forma como eles descobriram como colorir vidros com minerais. Estou terminando Engenharia Química e ... não sei... talvez eu trabalhe com a área de tintas. É sempre bom conhecer a história de como as cores começaram a ser usadas e foram desenvolvidas.
__É uma área ampla, boa para
ser explorada.
Ele estendeu a mão e tocou os
cabelos dela. E de lá removeu uma pena branca.
__Os patinhos deixaram uma
lembrança para você.
Ela começou a rir.
__Você tem o sorriso mais lindo
que já vi... __ estendeu a mão e acariciou o rosto dela. Ela baixou os olhos
tímida, mas ainda assim ele aproximou-se mais, até que encostou a testa de leve
na dela e levantou seu queixo.
Ela fechou os olhos, levada por um sentimento de acanhamento, mas assim que sentiu os lábios dele nos dela, deixou-se levar pela carícia doce.
Ela fechou os olhos, levada por um sentimento de acanhamento, mas assim que sentiu os lábios dele nos dela, deixou-se levar pela carícia doce.
Ele se afastou e ela suspirou,
ainda com os olhos fechados. A mão dele ainda estava em seu rosto. Ela abriu os
olhos e viu os dele brilhando, diante dela.
__Às vezes, eu tenho essa
impressão... de que já te conheço. Mas acho que é porque na primeira vez que te
vi, me senti completamente atraído por você.
Ele voltou a beijá-la. E ela
descobriu que era a
melhor sensação que já experimentara.
Especialmente, por que eram os beijos dele.
Do homem que despertou nela, o amor, território, que até aquele momento desconhecia.
melhor sensação que já experimentara.
Especialmente, por que eram os beijos dele.
Do homem que despertou nela, o amor, território, que até aquele momento desconhecia.
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