quinta-feira, 14 de maio de 2015

A CASA - CAPÍTULO 3

João chegou em casa e ao passar através do portão, percebeu que havia um carro estacionado diante do pórtico principal. Reconheceu o veículo de uma das amigas de sua mãe.

-Meu filho, que bom que chegou. Estávamos aqui, agora mesmo, falando em você.

Ela pousou a xícara de porcelana sobre a bandeja, levantou-se e foi até ele. Encaixou o braço no seu, e afetuosamente o atraiu até o centro da sala de visitas. Ele cumprimentou as amigas da mãe, e foi constrangido a sentar-se entre elas.

-Eduarda acabou de entrar na mesma faculdade que estuda. Você poderia ambientá-la no Campus. Ela ainda está um pouco perdida.

-Parabéns, Eduarda. Não tinha ideia que estava estudando para o vestibular.

-Quase não nos vemos, eu acredito que seja por isso.

-As primeiras semanas são meio turbulentas para calouros. Espero que não tenha tido nenhuma experiência difícil.

-Teve, sim! -Graziela interferiu. -Fiquei tão preocupada quando vi minha filha entrar em casa coberta de tinta e ovos. Você não tem ideia!

-Infelizmente, é de praxe.

-Meu filho, você poderia buscar Eduarda semana que vem, assim, poderiam ir juntos... pelo menos neste início de semestre.

-Claro... por que não? Geralmente saio de casa às oito da manhã, Eduarda. Não sei se o horário é bom para você pois, na verdade, já paguei todos os meus créditos. Agora só vou ao Campus para pesquisas, pois estou terminando minha monografia.

-Oito horas está ótimo para mim.

Melissa e Alexandra trocaram olhares conspirativos.

-Agora vocês vão me dar licença, infelizmente preciso ir.

-Mas já, filho? - Melissa perguntou descontente.

-Tenho um compromisso. Foi bom vê-las. E Eduarda, passo em sua casa segunda, às oito.

****

-Você trama as coisas... - desferiu cínico, enquanto fechava a porta da geladeira. 

- Eduarda é uma moça bonita, de boa família e educada.

- Ela é tudo isso, sim. Mas, é bem mais nova que eu, além disso...já estou vendo alguém.

Melissa o olhou surpresa.

- Eu não sabia!

- Conheço os pais dela?

- Não.

Melissa não conhecia ninguém fora de sua classe social.

- Você já os conheceu? São de boa família?

- Eu a conheço e para mim é o suficiente.

Melissa não quis iniciar uma discussão com o filho. Queria ao menos um momento de paz. Desde sua adolescência viviam às turras. Ela nada sabia sobre ele e suas conversas eram superficiais. Quando tentava adensar um pouco mais o relacionamento entre eles, nunca acabava bem. Ele a hostilizava e criticava. 

Mesmo contrariada com as informações vagas, pediu a ele que a trouxesse a fim de conhece-la. Sua abertura funcionou, fazendo-o relaxar. A nuvem de tensão sobre eles foi afrouxando. E parecia, que pela primeira vez teriam uma conversa sem que ele a deixasse, de forma tempestuosa, falando só.

-Talvez, eu faça isso.

Olhou para ela, tentando enxergar em suas palavras algum ardil. Então, colocou o copo sobre a bancada da cozinha.

-Vai jantar hoje em casa? - ela perguntou ansiosa.

-Vou sim, estou fazendo as últimas correções em minha monografia, pois vou me reunir com meu orientador na segunda-feira.

-Fico feliz que já esteja terminando seu curso...você nunca me fala sobre seus planos acadêmicos. Pretende tentar entrar em um mestrado?

-Não sei... no momento não estou fazendo nenhum plano.

Ia saindo da cozinha, mas então se virou para ela.

-Desço daqui a pouco para o jantar.

Ela seguiu o filho com o olhar. Planejava o relacionamento dele e Eduarda há algum tempo. Graziela era sua amiga à anos. Cinco anos antes, suas famílias, com exceção de João, haviam viajado juntos para a Europa, quando Eduarda estava entrando na adolescência, e naquela época já prometia ser uma beldade. Ela provocava Graziela ao dizer que faltava apenas um berço real para que fosse uma ‘puro sangue azul’.  Graziela respondia sorrindo:

-Não seja por isso, minha querida. Tenho um Conde italiano em minha ascendência.

Melissa anteviu uma potencial aliança entre suas famílias, mas sabia que tinha que conquistar o filho arredio. João parecia-se muito com o pai. Ensimesmado e indiferente ao prestígio e importância da família na sociedade. Com o passar do tempo, ao invés de abrir-se mais, ele tornou-se hostil as suas ideias. Em uma de suas discussões ele classificou sua ambições como ‘pretensão tupiniquim’.

Aquelas palavras a enfureceram. ‘Exijo que me respeite, sou sua mãe e dona desta casa onde mora.’ João se ressentiu-se e passou a evitá-la, a fim de não baterem de frente. Mas ela não desistia nunca de seus intentos.  

Ela ouviu a porta da frente sendo aberta e ao alcançar a sala de visitas viu o marido, desapertando o nó da gravata. Ele a cumprimentou de forma fria, e pousou sua maleta sobre uma das poltronas, coberta com tecido adamascado.

-Vou precisar sair esta noite. Alguns de nossos fornecedores americanos estão na cidade e vamos sair para discutir alguns negócios. Vou apenas comer algo leve, está bem?
Ia subindo as escadas, mas voltou rapidamente para pegar a maleta. Quando estava na metade da escadaria lançou um olhar indiferente em sua direção:

- Se o jantar demorar, infelizmente não poderei ficar.

Ela suspirou exasperada. ‘Estava rodeada de opositores em sua própria casa’.

O jantar transcorreu silencioso. O marido na cabeceira da mesa, não olhava para ela, e João estava absorto em seus pensamentos.

-Elizangela, você colocou o talher errado novamente. Já expliquei qual é o talher para peixe.

-Desculpe, Dona Melissa. Vou buscar.

-Agora que já iniciamos a refeição, não tem mais necessidade. Amanhã vou falar com Nazaré. Desisto de educar você.

João abandonou os talheres sobre o prato. Afastou a cadeira e começou a retirar-se.

-Você mal tocou a comida. Onde vai?

-Perdi a fome.

-Mas...

O marido olhou-a pela primeira vez, durante o jantar. E havia censura estampada em seu rosto. Eles terminaram a refeição, silenciosamente.

****

João não esperou muito diante do apartamento de Ana, até que ela saisse. Usava um vestido simples de algodão azul e o cabelo preso em um rabo de cavalo. Ele foi até ela e cumprimentou-a com dois beijos leves na face. Ela ainda sentia-se constrangida diante daquela etiqueta social com tantas demonstrações afetuosas.  Sempre imaginava o que Madre Justiça pensaria se a visse em uma daquelas situações. As religiosas, por viverem enclausuradas à vida no convento, não tinham a menor ideia do que se passava fora dos muros protetores e não sabiam preparar os órfãos que deixavam o convento. Ana usava sua sensibilidade para saber de quem se aproximar ou afastar, mas na maioria das vezes demonstrava frieza para com a maioria das pessoas. Ainda no orfanato, ouvira casos desastrosos de meninas, que por ingenuidade acabaram naufragando, enquanto tentavam viver fora dos limites do orfanato.


Creditava a seu hábito de leitura, seu maior discernimento. A vida de Fantini em Os Miseráveis de Victor Hugo despertaram nela compaixão e uma desconfiança, que levou a própria Madre a preocupar-se. ‘Se olhar apenas para o lado negativo das pessoas, não vai conseguir viver lá fora.’ Mas Ana já havia tido algumas lições extremamente desagradáveis durante aqueles dois anos. E sua desconfiança a salvou de muitos lobos.

João abriu a porta do carro para ela entrar e depois foi para o outro lado. Ao acomodar-se ele olhou para ela de relance, para depois abrir a porta luvas, de lá retirando uma fita cassete.

___Eu gravei uma seleção de músicas de Djavan para você...para aumentar seu repertório.

Ela sorriu.

__Obrigada, João. Nossa, vou ouvir assim que chegar em casa.

Ele deu partida.

__Para onde vamos?

__Surpresa!__ ele sorriu.

Enquanto ele dirigia, ela reconhecia o caminho. Estavam indo para o lago. De repente, os sentimentos que aquele passeio lhe provocava, enquanto ainda estava no orfanato, vieram à tona. ‘Ah, se os meus pais me vissem agora...e me reconhecessem.’

__Você já veio ao lago?

__Algumas vezes...

__Poxa! Eu pensava que esse passeio ia ser inédito __ disse desanimado.

__É o meu lugar da cidade favorito.

__Mesmo? Bem, então, acho que não errei.

Eles desceram do carro e caminharam pelo gramado. Haviam crianças, casais de namorado, carrinho de pipoca e algodão doce. Instintivamente ela removeu as sandálias, como tinha o hábito de fazer ali, e o gesto o surpreendeu.

Ela sorriu:


__Agora é sua vez.

Ele levantou o dedo indicador.

__Um momento. Pipoca ou algodão doce?

__Pipoca.

Ele saiu em direção ao carrinho e voltou com as mãos cheias, de pipoca e algodão doce. Estendeu a pipoca para ela e só então, começo a remover os sapatos.

__Meus pés não são tão bonitos, tá? __ ele alertou-a.

Então sentaram-se na grama de frente para o lago.

__Então...você é uma expert em vitrais...

Ela riu.

__Claro, que não! Eu peguei um livro na Biblioteca depois que fui à casa onde meus... eu passei em frente à essa casa, e vi um vitral muito bonito, que me despertou o interesse.

__Então era um vitral especial, para te levar a uma biblioteca e depois a uma exposição.

__Eu achei muito bonito, diferente dos que já tinha visto antes.

__Humm...
Uma fileira de patos barulhentos passou diante deles em direção ao lago.

__De onde você é?

__Daqui!

__Ah... é que eu achei que você havia dito que seus pais moravam em outra cidade, eu pensei que você não era daqui.

__Ah... nós somos daqui, mas quando ainda era bem pequena, nos mudamos. Meus pais queriam uma vida menos urbana e compraram um sítio. Aí, depois precisei estudar e vim para casa de minhas tias.


Ela não olhava para ele enquanto falava.

__Entendi.

__E você? Sempre gostou de vitrais.

__Não...mas acho interessante o processo de criação, principalmente a forma como eles descobriram como colorir vidros com minerais. Estou terminando Engenharia Química e ... não sei... talvez eu trabalhe com a área de tintas. É sempre bom conhecer a história de como as cores começaram a ser usadas e foram desenvolvidas.

__É uma área ampla, boa para ser explorada.

Ele estendeu a mão e tocou os cabelos dela. E de lá removeu uma pena branca.

__Os patinhos deixaram uma lembrança para você.

Ela começou a rir.

__Você tem o sorriso mais lindo que já vi... __ estendeu a mão e acariciou o rosto dela. Ela baixou os olhos tímida, mas ainda assim ele aproximou-se mais, até que encostou a testa de leve na dela e levantou seu queixo. 

Ela fechou os olhos, levada por um sentimento de acanhamento, mas assim que sentiu os lábios dele nos dela, deixou-se levar pela carícia doce.


Ele se afastou e ela suspirou, ainda com os olhos fechados. A mão dele ainda estava em seu rosto. Ela abriu os olhos e viu os dele brilhando, diante dela.

__Às vezes, eu tenho essa impressão... de que já te conheço. Mas acho que é porque na primeira vez que te vi, me senti  completamente atraído por você.



Ele voltou a beijá-la. E ela descobriu que era a

melhor sensação que já experimentara. 


Especialmente, por que eram os beijos dele.

Do homem que despertou nela, o amor, território, que até aquele momento desconhecia.

₢gardeniadreams


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