segunda-feira, 3 de maio de 2021

ANTES QUE O REI MORRA

 

Eu nunca havia visto sua face.

Filho de um déspota cruel que reinava sem amor ou sabedoria sobre seu povo, ele fora minuciosamente moldado a maneira dos reis.

Vestia-se em seda púrpura, era alimentado por mãos delicadas e ninguém mais, a não ser ele mesmo, importava no mundo. Todas as manhãs caminhava por seus jardins e a fragrância das especiarias incensavam suas roupas reais e até mesmo a brisa se deliciava em adular seus cabelos. A benção de Deus enchia de flores seu caminho.

Certa manhã, entediado, subiu a torre mais alta de seu palácio, e ao observar as terras que um dia seriam suas teve uma visão desconcertante: seu reino era seco, ocre e branco de sal. Aqui ou ali havia uma mancha vermelha, outra negra, mas seus olhos não compreenderam aquelas cores.

Foi a sala do trono e perguntou ao seu pai por que, enquanto as cores do palácio gritavam de alegria, as do vilarejo eram sem forma e murmuravam canções tristes a seu espírito.

‘Não olhe pelas janelas, meu digno filho. Deus enche nossos palácios de fartura e beleza.’

O filho, grato por Deus muito amá-lo nunca mais subiu a torre.

Passaram-se tempos e tempos e o príncipe foi enviado a outro reino, pois seu pai ambicionava que compartilhasse de outras culturas e voltasse com um novo conhecimento que engrandecesse ainda mais sua casa.

Ao retornar para casa o filho foi recebido com um grande banquete oferecido pelo orgulhoso pai.

Na manhã seguinte, o pequeno príncipe convidou o rei para um passeio e o pai alegremente o acompanhou, saudoso que estava de sua deliciosa companhia.

Subiram os 1386 degraus e chegaram a torre mais alta. O pai, já idoso, cansou-se durante a subida, mas nada disse.

‘Pai. Por que as cores fora do palácio murmuram canções tristes ao meu coração?’ – perguntou o moço.

‘Já não te disse que Deus enche de fartura e abundância nossos palácios? Não olhe pela janela.’

‘Mas tu me enviaste, a mandado de Deus, a uma terra distante onde a chuva rega a terra, a relva verde rodeia os muros da cidade e os seus governantes todos os dias olham pelas janelas de seus palácios.’

O rei encolerizou-se e decretou: ‘Ficarás aqui, a olhar por esta janela até que aprendas a odiá-la. Não participarás mais da fartura e abundância de Deus dentro deste palácio, até que aprendas a receber sem questionar.’

Assim dizendo o pai deixou a torre batendo a pesada porta atrás de si, degredando seu filho a solidão e à visão da janela.

Todo ano o rei enviava um emissário para buscar informações sobre seu filho.

‘Ele vive a olhar pela janela, ó grande rei. E não tem mais a forma que lhe damos. Sua aparência fica mais grotesca a cada ano que se passa.’

Um dia, o rei decidiu conferir.

Subiu os 1386 degraus. Seu coração palpitava de cansaço, mas sua curiosidade o instigava.

A grande e pesada porta foi aberta, e ao contemplar seu filho, obra de suas mãos, não o viu. O ser que estava diante de si, não era mais a sua semelhança. Uma dor profunda atravessou o seu peito e ele caiu aos pés de seu filho.

Um novo rei desceu a torre.

Abriu as portas do palácio e quando a luz do sol entrou, morcegos voaram de detrás das pesadas cortinas de seda. Serpentes escorregaram de dentro dos pesados baús de madeira engastados de pedras preciosas. Corvos e lagartos buscaram aborrecidos outro palácio para se abrigar.

O rei montou em seu cavalo e foi até a cidade, cujo chão era coberto de sal com manchas negras e vermelhas e ao chegar à praça da cidade, mandou que um de seus servos cavasse um poço. E para o espanto e maravilha do povo pobre e pisado uma fonte começou a jorrar. As águas eram límpidas e brilhantes.

Um novo reino começou a surgir. E uma relva verde apareceu onde antes apenas existia sal.

Todavia os morcegos, lagartas e víboras de vez em quando reuniam-se para planejar uma retomada. Queriam de volta o seu antigo reino. Vez ou outra enviavam um emissário para tentar o rei. Mas suas estratégias eram todas reprimidas.

O povo amava ao seu rei, que era único em sua justiça e bondade, e mantinha sempre a fonte a jorrar. Mas eles sabiam que um perigo os ameaçava: o tenebroso grão-vizir. Homem de inteligência fina e que escondia atrás de sua aparência fenomenal e cativante o desejo sórdido de dominar tudo e a todos, inclusive o rei. O grão-vizir já havia tentado de todas as maneiras infiltrar seus aliados no palácio sem sucesso. Até mesmo tentara penetrar na mente do rei com sua loquacidade e brilhantismo diabólicos, mas sem êxito. Até que uma nova possibilidade de retorno a seus tempos áureos se delineou quando colocou os olhos em Paulina, a encantadora. Uma nulidade mental, era verdade. Mas juntos, ele e ela, poderiam recolocar o bracelete negro no braço do rei e uma nova reforma começaria.  


domingo, 18 de abril de 2021

SAUDADES DE NÃO SEI O QUE

 Saudades


Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência..

Clarice Linspector




Saudades é para mim como um colar de contas vermelhas. 
G.Yud

domingo, 15 de novembro de 2020

CERTEZA E SERENIDADE

                             

  

                             Tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus.




 


A VISÃO DE EZEQUIEL

Embora seja uma amante do Livro Sagrado - Bíblia - desde minha infância, os Livros de Jó ( 😆 ) e Ezequiel sempre se configuraram como um desafio para minha sensibilidade, emoções e realidade. Em especial a epifania de Ezequiel aniquilava de forma cortante minha concepção de Anjos. Ezequiel, o profeta visionáro, também sentiu-se da mesma forma quando Deus descortinou diante de seus olhos o mundo invisível e suas criaturas sagradas, pois eram realmente extraordinárias.

Hoje, porém o temor foi substituído por fascínio. E de forma extremamente limitada, entendimento.

Os olhos de Deus estão em todos os lugares, buscando os fiéis da terra.





Ao longo dos anos, pintores inspirados pela visão de Ezequiel tentaram reproduzi-la através de seus pinceis. Se tiveram algum sucesso ou não, não é possível dizer. Mas podemos ter uma idéia do assombro que causaram no profeta.



domingo, 20 de setembro de 2020

ROSH HASHANA - 2020 / 5781

 SHANÁ TOVA PARA JUDEUS, CRISTÃOS E AQUELES QUE SE ALINHAM COM ESTA LINDA FESTA CRIADA POR NOSSO DEUS CRIADOR.

FELIZ 2020 / 5781!




Ó SENHOR, SENHOR nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!
Tu ordenaste força da boca das crianças e dos que mamam, por causa dos teus inimigos, para fazer calar ao inimigo e ao vingador.
Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste;
Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?
Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste.
Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés:
Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo,
As aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares.
Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome sobre toda a terra!

SALMO 8

sábado, 25 de janeiro de 2020

DREAMS AND MOMENTUM




I posted this text originally in Portuguese on 13th of May, 2016.


That expression caused a small storm in my brain: 'You need to gain momentum'. Huh ?! 'Did I miss anything?'
People nodded in agreement with the speaker, and I, the same, but with my mind full of little questions. It seemed to me that the rest of the lecture on Dreams and Purpose had that statement as its central axis, and I was itching with curiosity.
My restlessness was not in vain. When I had time, I went to search for that word, a little mystery, which I discovered to be a treasure. It was then that I put the pieces of the puzzle together and understood the difference between dream and DREAM. And how to make the last one HAPPEN.
My research led me to understand that momentum has a lot of what the word suggests, that is, moment and movement. But it is not limited to it. Momentum is a physics concept that has to do with impulse, change. And most essential and significant of all, the strength you put in making the balance tip ‘in your favor’.

But what I also discovered was that the time frame in which one gains momentum requires a pseudo inertia. A quiet moment in the cocoon and the humble crawl of a caterpillar. A good dose of inertia. Yes. But a dignified and effective inertia, enriched by study, preparation, knowledge and reflection, where your dream can be founded on, because where 'there is no foundation, nothing can be built upon…' (Psalm 11: 3) safely. A quiet time where you search to perfect your personal skills and discover abilities that you don't imagine you have on the depths of you. It is also a time of confrontation. The moment of truth, good and 'cruel'. The knowledge of yourself and your TRUE dreams, that is, the dream that was born with you, that was born in your DNA.
This is an essential discovery in the process of gaining momentum, for we often dream about 'the dreams of others', and we end up either not reaching it or when we do, we get frustrated, because they were never ours. It did not belong to us, nor did it possessed us. It was who knows, just a suppressed envy, a childish desire and maybe even an ambition implanted in us by another 'frustrated' with their own never achieved dreams. An alien 'chip', the product of a parental abduction.
Sometimes, it is difficult to reach this stage of personal authenticity for various reasons, such as pressures and external tensions that do not let us hear ‘the voice of our guts’. I really like the word 'guts', which I recently rediscovered in the Sacred Book in a new and different perspective and meaning, and in which in all its references is connected to noble feelings of love, kindness, and even of our true expression in the world.
In the West we relate noble feelings ( or not so noble ) to the heart, a muscle that pulsates involuntarily, but in the Bible the guts, - that's our intestinal, inner parts, and that is often only remembered by us when we have indigestion or when we think about our excretory function (laughs)  - are, in fact, considered our intimate, our deep, secret place, figuratively 'our heart', and that should, therefore, be probed, intimately known and purified from what does NOT BELONG to us or in us. 
A dream to be a DREAM, has to be visceral. It must be formed and born in our guts, to be ours. God seeds and words must fertilize it in us, to be ours. 
Dreams comes from our secret place, if you dare to know it. And it takes a lot of courage! There is no point in your dreams coming from the heart of another person cause each person has its scope, its direction and contribution to this world. Each person has a different DREAM. One mission.  We donate differently. We are, in essence, a dream of God. And God is original in His creation. So we must dare to live our life and our dreams. Being our original self and soul. 
After the stage of pseudo inertia in which we discover the soul of our dream, we finally engage in the fight to make it happen, since we had gained the extraordinary momentum needed to launch. We will finally get out of our comfort zone and take ownership of the moment to make our DREAMS come true.